Uma lista de 117 professores e alunos, com seus respectivos comentários sobre os recentes ataques terroristas, foi divulgada como "uma evidência da hostilidade das universidades norte-americanas em relação à postura assumida pelo governo dos EUA".
A acusação consta do documento "Defendendo a Civilização", lançado em 11 de novembro pela ACTA, American Council of Trustees and Alumni (Conselho Americano de Curadores e Ex-alunos), organização fundada em 1995 por Lynne V. Cheney — mulher do vice-presidente americano Dick Cheney, do Partido Republicano — e pelo senador Joseph Lieberman — candidato a vice-presidente dos EUA na chapa de Al Gore, do Partido Democrata, "derrotado" na última eleição.
Em resposta aos atentados de 11 de setembro, a ACTA passou a financiar estudos cívicos, de história Americana e da Civilização Ocidental. Só que o primeiro projeto para a "Defesa da Civilização" caracteriza uma agressão às liberdades fundamentais e um golpe baixo à instituição que sempre ajudou a preservá-las. O documento — "Defendendo a Civilização: como as universidades estão enfraquecendo a América e o que pode ser feito" — acusa as universidades de serem o elo mais frágil nas reações contra os ataques. Além disso, afirma que "professores e estudantes têm mantido uma postura comedida em relação ao seu patriotismo e exagerada quanto à auto-flagelação". O que se segue é a lista dos 117 professores e alunos, dentre os quais não podia faltar o nome do linguista Noam Chomsky, o inimigo público número um dos políticos conservadores e reacionários.
Para além da "missão" desta entidade que se vende como a saneadora de um meio acadêmico contaminado, percebe-se que o texto conclama os "colegas" e os "mantenedores das universidades" a garantirem que os currículos assimilados pelas novas gerações incluam os sagrados valores da democracia liberal ocidental. Na página 8 do documento, a ACTA esmiuça o seu conceito de democracia. "Sejamos claros. Este não é um argumento para limitar a liberdade de expressão nos campi. Na verdade, a troca de idéias é essencial para uma sociedade livre. Mas é igualmente importante (…) insistir que colegas e universidades transmitam nossa história e nossas tradições para a próxima geração. Liberdade acadêmica não quer dizer liberdade crítica ", ameaça a ACTA.
O destino poupou o Prof. Milton Santos desta agressão. Falecido no ano passado, o geógrafo brasileiro dizia que a universidade era a única instituição que podia sobreviver se aceitasse o seu papel de crítica." Se a universidade pede aos seus participantes que calem, ela está se condenando ao silêncio, isto é, à morte, porque o papel da universidade é falar", repetia o intelectual. Falar, por exemplo, que "a única maneira de acabar com o terrorismo é não participar dele", como fez o próprio Noam Chomsky, o citado de número 29 da lista. Ou então ponderando como Christopher Phelps, o indiciado de número 80 da ACTA, professor de História da Universidade de Ohio, que comparou o "histérico maccartismo" dos anos 50 com o atual clima de restrição aos direitos civis impostos em nome da luta contra o terrorismo.
Ataques à autonomia do pensamento acadêmico não são novidade nos EUA. Em 1949, o reitor da Universidade de Washington argumentou que os comunistas não deveriam ser tolerados nas universidades americanas. Na mesma época, um filme de propaganda chamado "Ele deve ser um comunista" ensinava a reconhecer os "comedores de criancinhas" nas suas próprias comunidades. Era o começo da Guerra Fria, cujo período mais intransigente receberia o nome de "maccartismo", oriundo do senador Joseph Mc Carthy, de Wisconsin, que em 1950 saiu do anonimato acusando mais de 200 funcionários públicos de serem comunistas. Em 1953, o já todo-poderoso Mc Carthy se tornou presidente da "Comissão para as atividades antiamericanas" (instituída pelo Congresso dos EUA em 1938). O objetivo da comissão era investigar a infiltração e a influência dos comunistas nas instituições estatais. Entre 50 e 54, a Comissão criou um clima de terror, baseado na suspeição e na delação, que não só atingiu os comunistas — uma minoria na sociedade americana — mas toda e qualquer personalidade progressista, sobretudo escritores, intelectuais e artistas, crentes nos princípios de liberdade e democracia que estão na base da constituição norte-americana. Dashiell Hammett, Waldo Salt, Lillian Hellman, Lena Horne, Paul Robeson, Arthur Miller, Aaron Copland, Leonard Bernstein, Hanns Eisler, Charlie Chaplin, Clifford Odets, Elia Kazan, Stella Adler W.Wyler, J. Houston, A. Litvak, H. Bogart, K. Hepburn, J. Losey, Mort Sahl, Edward R. Murrow, dentre muitos outros, tiveram suas reputações vilipendiadas e seus direitos básicos pisoteados em sessões kafkianas transmitidas pela televisão. Pontificavam os inquisidores Mac Carthy e J. Edgar Hoover, então diretor geral do FBI. Tudo em nome dos mais altos valores da democracia e da liberdade.
"A ACTA é uma organização educacional sem fim lucrativos comprometida com a liberdade acadêmica", atesta cinicamente a primeira linha do site da fundação que pretende investir nos cursos alinhados com a atual política externa americana e boicotar o resto. Além disso, como todo site que se preze, o da ACTA apresenta uma indicação de links. Ao percorrê-los, sente-se falta da página da gigante Lockheed Martin, que acaba de ganhar uma concorrência para produzir uma nova geração de caça-bombardeiros. Sim, porque antes do seu marido assumir a vice-presidência, a Sra. Lynne V. Cheney era conselheira da Lockheed Martin, cuja missão também deve ser a de zelar pela paz no mundo.
http://www.goacta.org/flashindex.html
Posted by Silvio at October 21, 2003 07:09 PM