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Expansão dos EUA na América Latina: origens remotas da Alca |
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Augusto
C. Buonicore
Tradução
Imediata |
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"A expansão dos Estados Unidos sobre o continente americano, desde o Ártico até a América do Sul, é o destino de nossa raça (...) e nada pode detê-la". Discurso de posse do presidente norte-americano James Buchanan, em 1857. "O nosso objetivo com a ALCA é garantir para as empresas norte-americanas o controle de um território que vai do Polo Ártico até a Antártida". General Colin Powell, Secretário de Estado do governo Bush O projeto norte-americano de anexação da América Latina é bastante antigo e conheceu várias etapas e formas nestes quase duzentos anos. O processo não foi linear, ele foi condicionado por inúmeros fatores entre eles a capacidade de resistência dos povos latino-americanos e a correlação de forças entre as grandes potências. Mas, no geral, podemos dizer que os EUA foram persistentes nos seus propósitos anexionistas, utilizando os mais diferentes métodos - articulando o grande porrete e a fala mansa. Este artigo busca apresentar, sumariamente, a história da expansão norte-americana no hemisfério até o início da década de 90 quando do início de uma nova ofensiva através da implantação da Alca. A Doutrina Monroe e o Destino Manifesto No dia 4 de julho de 1776 foi proclamada a independência norte-americana. A guerra pela independência durou cerca de 6 anos. A jovem república era composta de treze colônias federadas concentradas no lado do Atlântico. Nascia com a necessidade de proteger-se das gananciosas potências européias, especialmente a Inglaterra, e também com pretensões de se expandir para o oeste e sul do continente, conquistando novas terras para a sua população, que crescia rapidamente, e novos mercados para suas mercadorias. Pouco a pouco foi se constituindo uma ideologia justificadora do expansionismo norte-americano. Esta seria denominada ideologia do "Destino Manifesto". Propagou-se a idéia da superioridade dos norte-americanos sobre os outros povos do continente - descendentes de espanhóis, portugueses e indígenas. Aos norte-americanos caberia conduzir os demais povos pelo caminho da civilização e da modernidade capitalista. Em 1823, o presidente James Monroe apresentou o seu discurso anual ao congresso norte-americanos. Ele poderia ser traduzido em uma de suas frases mais conhecidas: "A América para os americanos". O corpo de idéias relativo à política externa seria denominado Doutrina Monroe. A princípio foi entendida como uma resposta norte-americana às potências européias que estavam de olho no continente, inclusive nos territórios do norte. Os norte-americanos ainda disputavam o Oregon com os ingleses e os russos estavam de olho na Califórnia. No sul, as independências do Brasil e da América espanhola ainda não estavam consolidadas. Naquele momento a Europa era dominada pela Santa Aliança - uma coligação monarquista e arqui-reacionária. No entanto, mais do que protegerem as Américas das pretensões européias, queriam proteger seus interesses políticos e comercias no conjunto do continente, ainda que acobertando-os com um verniz democrático e anticolonial. Prova disso é que os EUA se colocaram contra o projeto do México e da Colômbia de ocupar as Antilhas e libertá-las do jugo espanhol. Os EUA também se opuseram e buscaram sabotar o projeto de união americana defendido por Simon Bolívar. Ficava cada vez mais claro que quando Monroe disse a América "para os americanos" queria, na verdade, dizer "para os norte-americanos". Restabelecidos da guerra contra a Inglaterra, os EUA partiram para a realização do seu "Destino Manifesto", através da utilização da sua força militar. O primeiro passo foi a conquista do Texas. Desde o final da década de 1820 colonos do sul dos Estados Unidos se deslocaram para a região do Texas, pertencente à República do México. Aproveitando-se da confusão política e da corrupção reinantes montaram suas fazendas e introduziram ali o trabalho escravo - a Constituição mexicana proibia a escravidão. No entanto, em 1835, o México aprovou uma constituição centralista. Este foi o pretexto para que os colonos americanos se rebelassem e proclamassem a independência do Texas (1836) - fundando a república "escravista" da estrela solitária - e imediatamente pedissem a sua integração aos EUA. Estes reconheceram o novo país, passando a protegê-lo e, em 1845, o anexaram, sob o protesto do México. Os EUA não estavam contentes e queriam ainda mais. No ano seguinte, aproveitando-se de um conflito militar corriqueiro na fronteira, declararam guerra ao México. A guerra terminou com a derrota mexicana e a perda dos territórios da Califórnia, Novo México, Nevada, Arizona e Utah. O México perdeu cerca de metade do seu território e os EUA ganharam, finalmente, o seu acesso ao oceano Pacífico e aos territórios riquíssimos nos quais, em alguns anos, seriam descobertos ouro e petróleo. Alguém um dia falou "Pobre México tão longe de Deus e tão perto dos Estados Unidos". A guerra parecia ser o melhor caminho para a expansão territorial dos norte-americanos, além de ser um negócio bastante lucrativo. Agora eles voltavam os seus olhos para o mar do Caribe, considerado um "mar interno" dos Estados Unidos, e para a América Central. Em 1855 tentaram repetir os métodos utilizados contra o México na pequena Nicarágua. Neste ano o mercenário William Walker desembarcou com 120 homens fortemente armados e tomou o país. Apoiado pelos sulistas norte-americanos declarou-se presidente e restabeleceu a escravidão. Desta vez a tentativa de colocar uma nova estrela na bandeira norte-americana fracassou. Walker foi derrotado e acabou sendo fuzilado pelo governo de Honduras. Dois anos depois, em 1857, no seu discurso de posse o presidente americano James Buchanan afirmou: "a expansão dos Estados Unidos sobre o continente americano, desde o Ártico até a América do Sul, é o destino de nossa raça (...) e nada pode detê-la". Falando em nome dos "altos e amplos objetivos nacionais", o jornalista e político norte-americano John O'Sullivan se posicionou contra aqueles que buscavam "prejudicar nosso poder, limitando nossa grandeza e impedindo a realização do nosso Destino Manifesto, que é estendermo-nos sobre o continente que a Providência fixou para o livre desenvolvimento de nossos milhões de habitantes, que anos após anos se multiplicam". Tese muito semelhante à do "espaço vital para a raça ariana" apregoada por Hitler menos de cem anos depois. As grandes corporações norte-americanas, com apoio da imprensa, desenvolveram uma grande propaganda a favor do expansionismo e da guerra como meio de realizá-lo. Mantendo-se firme no seu propósito de anexar a região caribenha, em 1898, os EUA declararam guerra à Espanha e ocuparam seus territórios no Caribe e no Pacífico. O pretexto foi o apoio ao povo cubano escravizado pelos espanhóis e a explosão do navio americano "Maine" em porto cubano - possivelmente fruto de um acidente. O povo cubano há décadas travava uma luta heróica pela sua independência. A primeira guerra da independência havia durado dez anos (1868-1878) e a segunda havia se iniciado em 1895. Somente quando a libertação, dirigida por José Marti, estava quase se concretizando os EUA resolveram intervir militarmente. O objetivo real dos americanos não era libertar Cuba, mas defender os seus interesses na ilha, que era a maior produtora de açúcar do mundo e um ponto estratégico na defesa naval e ponte comercial para o sul do continente. Não foi à toa que ilha permaneceu ocupada militarmente até 1902. Os marines só se retiraram quando os constituintes cubanos aprovaram a emenda Platt - uma lei americana - que dava o direito aos norte-americanos de intervirem na ilha quando seus interesses estivessem ameaçados. Cuba tornou-se assim um protetorado americano no Caribe. Somente em 1933, em plena política de Boa Vizinhança, foi revogada a emenda Platt. Entre 1889 e 1890 ocorreu a primeira Conferência Pan-americana em Washington, da qual participaram dezoito países. Neste encontro os EUA propuseram uma união aduaneira de todo o continente, um conselho de arbitragem dos conflitos econômicos e militares e uma moeda comum, o dólar. O projeto fracassou pela resistência imposta pela Argentina e pelo Brasil. Foi formada então a efêmera União Pan-Americana. Na busca da sua hegemonia nas Américas e na disputa por mercados em outras partes do mundo, os EUA iniciaram o fortalecimento de sua marinha de guerra. Em 1890, quando da 1ª Conferência Pan-americana, a marinha americana era a sexta do mundo e em 1907 já era a segunda. Theodore Roosevelt e o Big Stick Em 1901 assumiu o presidente Theodore Roosevelt, antigo chefe de polícia de Nova York. Seu ditado favorito era "Fale suave, mas tenha nas mãos um grande porrete que será bastante útil". Por isto sua política externa ficaria conhecida como Big Stick (grande porrete). O Big Stick norte-americano foi bastante utilizado, mais do que a fala mansa. Cuba foi ocupada novamente entre 1906-1909, em 1912 e 1917-1922. Os marines ocuparam também o Haiti (1915-1934), a República Republicana (1916-1924) e a Nicarágua (1909-1910, 1912-1933). A extensão dos EUA, de uma costa a outra, criou novos problemas para a expansão do comércio e a sua defesa militar. Era preciso construir um canal entre os dois oceanos que permitisse um deslocamento rápido de sua marinha mercante e de guerra. O lugar ideal para construi-lo era a região do Panamá, pertencente à Colômbia. No entanto o governo colombiano se opôs aos planos norte-americanos de constituir um enclave militar e comercial em seu território. Os norte-americanos passaram a insuflar grupos rebeldes separatistas que acabaram assumindo o poder na região, separando-a da Colômbia. Os EUA foram primeiros a reconhecer a independência do Panamá (1903) e a enviar soldados para protegê-la. O novo governo, agradecido, entregou a área na qual seria construído o canal e deu aos americanos o direito de explorá-la por toda a eternidade. Somente na metade da década de 1970 foi renegociado o acordo e se definiu que o canal passaria para o Panamá em 1999. Em 1927 os norte-americanos intervieram militarmente na guerra civil da Nicarágua e ali permaneceram até 1934. Os mecanismos para intervenção eram os mesmo, primeiro fomentavam as disputas políticas entre grupos oligárquicos locais e depois intervinham militarmente ao chamado de um deles - o mais favorável aos interesses norte-americanos. A Política da Boa Vizinhança A política do Big Stick entrou em crise juntamente com o capitalismo norte-americano em 1929. Com o aumento da crise econômica cresceu também a animosidade dos governos e dos povos latino-americanos com a política externa agressiva dos norte-americanos. Em 1930 eclodiu uma revolução no Brasil que colocou Vargas no poder e em 1934 Lázaro Cárdenas se elegeu presidente no México. Ambos adotaram políticas econômicas de cunho nacionalista e industrialista. Outros fatores de ordem internacional também impulsionaram a mudança de forma da política americana para América Latina. No mesmo ano que Roosevelt assumiu a presidência, Hitler tomou o poder na Alemanha e o Japão consolidou sua posição na Manchúria. Existia o perigo de uma guerra iminente e uma ameaça concreta aos seus interesses políticos e econômicos na Ásia e na América Latina. Os alemães rondavam perigosamente os governos da região. Na 7ª Conferência Pan-americana (1933) foi aprovado um documento que afirmava que "nenhum estado tem o direito de intervir nos assuntos internos ou externos de outro estado". O documento, portanto, estava na contra-mão de tudo o que os norte-americanos vinham fazendo na América Latina até então. Entre 1933 e 1934 os americanos se retiraram do Haiti e da Nicarágua. Era o início da Política de Boa Vizinhança, visando a diminuir a desconfiança dos latino-americanos em relação ao "grande irmão do norte". O grande porrete foi substituído pela "fala mansa". Os americanos foram obrigados a romper com a sua política anti-industrialista para a América Latina e, em 1939, chegaram a liberar o financiamento para a construção da Companhia Siderúrgica Nacional e da Vale do Rio Doce no Brasil. Ocorreu também uma ofensiva no campo cultural, com o aumento do intercâmbio entre os EUA e os demais países do continente. Nesta guerra pelos "corações e mentes" dos latinos-americanos Hollywood foi mobilizada, inclusive os estúdios Disney. Carmem Miranda e o Zé Carioca são frutos típicos desta época. Doutrina Truman e a Guerra Fria Imediatamente após a 2ª Guerra Mundial e a morte de Roosevelt os americanos reduziram sua atenção sobre a América Latina e concentraram seus esforços na reconstrução da Europa e construir um sólido obstáculo à expansão da URSS. Os latino-americanos protestaram e exigiram um Plano Marshall para o continente. Em 1947 foi aprovado o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR) que impôs obrigações de ajuda mútua e de defesa comum das repúblicas americanas. Em 1948 realizou-se a 9ª Conferência Pan-americana que decidiu pela formação da Organização dos Estados Americanos (OEA). Estes tratados tinham mais objetivos políticos e militares do que econômicos, não traziam nenhuma vantagem econômica para o sul do continente. No período que vai de 1947 até o final da década de 50 predominou uma política de obstaculizar o desenvolvimento industrial na América Latina, esta foi a razão dos principais conflitos dos governos e setores da burguesia com o império. A montagem da infra-estrura industrial deveria ficar por conta dos Estados nacionais. Em 1952 foi eleito o republicano General Eisenhower, ligado intimamente aos grandes trustes. Foi de seu secretário de defesa, antigo diretor da GM, a famosa frase: "O que é bom para a GM é bom para os EUA". Foi por isso mesmo denominado "o governo de três generais" - Eisenhower, Electric e Motors. A OEA passou ser o principal instrumento na manutenção da hegemonia política e militar norte-americana na América Latina. Em março de 1954 diante do crescimento do movimento nacionalista de esquerda fez aprovar a Declaração de Solidariedade para a Preservação da Integridade Política dos Estados Americanos Contra a Intervenção do Comunismo Internacional. Neste documento declarava-se "que o domínio ou controle das instituições políticas de qualquer Estado americano por parte do movimento internacional comunista, que tenha por resultado a extensão até o continente americano do sistema político de uma potência extracontinental, constituiria uma ameaça à soberania a à independência política dos Estados americanos, o que poria em perigo a paz da América!" Vários delegados se posicionaram contra o teor da declaração que era uma ameaça à soberania popular de cada país. A preocupação mostrou-se correta. Poucos meses depois golpes militares derrubaram os governos nacionalistas de Jacobo Arbens na Guatemala e de Vargas no Brasil. Em 1962, a OEA aprovou a exclusão de Cuba e em 1965 organizou a intervenção militar na República Dominicana para impedir a posse do nacionalista Juan Bosch. A Aliança para o Progresso No início dos anos 60 ocorreu novamente uma mudança de tom na política externa americana. Em março de 1961 o presidente Kennedy anunciou a sua Aliança para o Progresso. Afirmou ele: "Convoquei toda a população do hemisfério para que se una em uma nova Aliança para o Progresso, um vasto esforço cooperativo (...) para satisfazer as necessidades básicas do povo americano de habitação, trabalho e terra, saúde e escola". A Conferência Econômica e Social de Punta del Este, convocada por ele, ocorreu em agosto do mesmo ano. Os EUA prometeram investir na região mais de 20 bilhões de dólares em 10 anos. O plano tinha o objetivo de impedir o avanço dos movimentos revolucionários na América Latina e isolar Cuba. Neste mesmo ano Cuba foi excluída da OEA e os americanos apoiaram a fracassada tentativa de invasão da Baía dos Porcos. Mas Kennedy não ousou levar adiante os planos da CIA para invadir a ilha e isto lhe custou forte oposição dos setores mais conservadores. O assassinato de Kennedy, a posse de Lindon Johnson, em 1963, e depois a vitória dos republicanos, em 1968, levou a um novo endurecimento da política externa norte-americana para o continente - ocupação da República Dominicana (1965) e o apoio aos golpes militares. Cai por terra a Aliança para o Progresso e seu discurso desenvolvimentista e social. A América Latina mergulhou então num período sombrio. No final da década de 1970 cresceu a mobilização cívica, popular e revolucionária contra as ditaduras e a dominação norte-americana, um dos momentos importantes da resistência foi a vitória da revolução sandinista da Nicarágua (1979). Em meio a nova turbulência econômica internacional - crise do petróleo - temos uma nova vitória dos democratas, com Jimmy Carter, que diante do desgaste das ditaduras passava a pregar uma política de valorização dos direitos humanos, abrindo os primeiros conflitos com os governos militares que passaram a usar tonalidades nacionalistas. Mas o reinado democrata seria curto. Em 1979 tivemos uma nova vitória dos republicanos que leva ao poder o reacionário Ronald Reagan - que articula uma radicalização do receituário liberal para as Américas com uma política belicista e agressiva contra os governos e movimentos nacionalistas e de esquerda. O reinado republicano somente chegaria ao fim em 1992. No início da década de 90, o fim da União Soviética e do campo socialista; a consolidação dos EUA como potência militar hegemônica, sem concorrência; o predomínio da ideologia neoliberal no conjunto das forças políticas da América Latina, inclusive de esquerda, criaram as condições para uma maior ofensiva norte-americana no sentido de anexar as economias ao sul do Rio Grande, sob o manto da liberdade de comércio. Estavam criadas as condições para a constituição de uma Área de Livre Comércio para as Américas (ALCA).
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