Durante a 5º edição do Festival de cinema do Recife – um dos mais importantes do país, ao lado de Gramado e Brasília – foi lançado o "Manifesto do Recife", pela participação da pluralidade étnica na produção audiovisual brasileira. Embora metade da população seja negra, só 10% dos papéis cabem a artistas negros na TV e no cinema.

Lido na noite de encerramento do Festival, em 30 de abril, para uma platéia de mais de 2500 pessoas, o documento é um marco na luta dos artistas afro-brasileiros pela conquista de um espaço vital de inclusão e atuação. Dentre eles, Joelzito Araújo, cujo filme "A negação do Brasil" – uma homenagem a todos atores e atrizes afro-brasileiras e um protesto contra a invisibilidade e a falta de reconhecimento de suas contribuições – ganhou dois novos prêmios no Festival – Troféu "Gilberto Freire de Cinema" e Troféu Passista de "Melhor Roteiro".

O canal Solidariedade Imediata publica a íntegra do "Manifesto do Recife" no sentido de colaborar no processo indispensável de ampliação da participação da arte e da cultura afro-brasileira.

Zé Keti cantando no filme "O Desafio" de Paulo César Saraceni (1965)

 

MANIFESTO DO RECIFE

Nós, artistas afro-brasileiros, reunidos aqui em Recife por iniciativa do 5º Festival de Cinema, vimos a público declarar que:

Este manifesto é uma atitude de denúncia. Expressamos o fim da nossa paciência com a persistência em nossa indústria audiovisual (TV, cinema e publicidade) da cota de segregação existente que não consegue oferecer mais de 10% de trabalho para atores, atrizes, apresentadores e jornalistas negros em seus programas, filmes e peças publicitárias. A invisibilidade e a falta de reconhecimento dos atores negros demonstram por parte dos produtores uma completa ignorância do impacto negativo dos seus produtos nos processos de auto-estima da população negra e indígena do nosso país, em especial de nossas crianças. Expressamos, assim, o nosso descrédito com a capacidade das entidades associativas ou auto-reguladoras de publicitários e produtores de TV de, espontaneamente, tomar iniciativas que ponham fim a injustiça histórica que nos condiciona a uma ínfima presença nas imagens produzidas sobre o Brasil.

Este manifesto é uma declaração de apoio. A partir de hoje, tornamos público a nossa intenção de apoiar e engrossar as iniciativas que visem impor sanções legais, preferencialmente econômicas, contra aqueles que insistem na manutenção deste quadro de desigualdade que retroalimenta o racismo existente na sociedade brasileira. Propomos a criação de um fundo econômico, gerado por estas sanções, para o incentivo de uma produção audiovisual multirracial no Brasil.

Este manifesto é a proposta de um pacto. A partir de hoje aplicaremos todos nossos esforços para reunir "as tribos de afro-descendentes" em atividades associativas ou cooperativas de defesa da ampliação do mercado de trabalho para atrizes, atores, técnicos, produtores, diretores e roteiristas afro-descendentes na TV, cinema e publicidade. Nos propomos a colaborar mutuamente em toda produção dos afro-descendentes voltada à valorização da história, presença e importância do povo negro e da herança africana na cultura brasileira.

Este manifesto é também uma proposta de aliança ampla geral e irrestrita entre negros, índios, brancos e amarelos, na mudança do conceito estético excludente que prevalece em nossa produção audiovisual, que apresenta o branco como o único ideal de beleza para o nosso país, desprezando a riqueza de nossa multirracialidade. É, portanto, uma proposta de alianças com diretores, roteiristas, produtores de elenco e diretores de arte para a criação de uma nova estética para o Brasil, que valorize o colorido dos nossos tons de pele e da diversidade da arte inspirada nas manifestações de nossa pluralidade étnica, regional e religiosa.

E, por fim, este manifesto é um elogio ao 5º Festival de Cinema do Recife, por seu ineditismo em propor a revisão do conceito de identidade nacional, reconhecendo a importância dos componentes africanos e indígenas na composição de nossa multirracialidade.

Assinam este manifesto:

Antônio Pitanga

Antônio Pompêo

Joel Zito Araújo

Luiz Antônio Pillar

Maria Ceiça

Maurício Gonçalves

Milton Gonçalves

Norton Nascimento

Ruth de Souza

Thalma de Freitas

Zózimo Bubul

Apoiam este manifesto:

Alfredo Bertini - diretor do 5º Festival de Cinema do Recife

Austregésilo Carrano Bueno - escritor

Assunção Bernardes - Produtor

Benedita da Silva - vice-governadora do Rio de Janeiro

Bete Mendes - atriz

Daniela Câmara - atriz

Denise Del Cueto - produtora de elenco

Fabiano Gullane - Produtor

Geraldo Santos Pereira - cineasta

João Batista de Andrade - cineasta

Lais Bodansky - cineasta

Luis Bolognesi - Roteirista

Nicole Algranti - diretora/produtora

Rodrigo Santoro - ator

Silvio Back - cineasta

Tetê Moraes - cineasta

Toni Venturi - cineasta

 

Solidariedade Imediata

sim<info@imediata.com>