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Valor residual

Artur D’Amaru

Hans Haacke - Beach Pollution - 1970 - Espagne

 

Tua falta de preço é o meu desprezo.

Por isso te deploro e te exploro.

Te arrendarei para sempre. Sua espécie de soldo cedido…

Imploras comissão?

Julgo tua ação improcedente, seu incompetente.

Te amortizarei aceleradamente. Sua cara de contrato alheado…

Doarei a ti e à tua prole a algum representante fiduciário.

Até teus genes te adulterarei, já que sou teu agente exclusivo.

Sua cara de bem depreciado. Seu título ao portador transferido…

Não serás mais do que uma apólice embolorada e engordurada

amassada e engavetada na filial de algum advogado de indefesos.

Uma moção indeferida. Seu alienado. Sua falta de valor agregado.

Mas, pensando bem… pensando muito bem…

É uma época oportuna

para te repassar e te cotar em bolsa,

mesmo que tenhas apenas valor de sucata,

de lixo não reciclado,

de intangível. Só existes para ser negociado. Circulado em pregão. Sua cara de obrigação não saldada…

Vou te alavancar… seu destituído… sua espécie de marca não registrada.

E teu valor residual não garantido vai subir e descer

a cada dia,

hora,

minuto,

segundo.

A meu bel-prazer.

Cada vez mais, seu hipotecado.

Minha ansiedade volátil é o Concorde.

A tua será não poder nem mais comer,

de amanhã pra trás,

de amanhã pra frente.

Ah Ah Ah…

Minha usura sempre foi e será tua eterna sobremesa. Seu troco distorcido.

Não és mais do que um sinistro nos meus planos estratégicos reivindicados.

Sua cara de ativo desembolsado. Seu simulacro de consumo desembestado.

Tua vida,

que já é tão pouco,

nada mais será que um suceder de oscilações

que refletirão

a prepotência absoluta e debochada de minhas especulações.

Existes

para que eu possa auferir meus honorários

cada vez mais vorazmente,

minhas receitas

cada vez mais indecentemente.

Seu capacho de executivo banido. Seu projeto de criatura mal fecundada.

No balanço, estou nos Ativos. E tu?

És Contas a pagar!

Sempre transitória, precária e desterrada.

Seu pobre diabo especulado!

Claro que continuarei

te estimando,

te avaliando,

te tributando,

te taxando

independentemente

dos teus momentos

de baixa ou de pico,

mas nunca serás mais que meu material consumível e descartável,

sua cara de salário mínimo sujeitado! Seu assovelado! Seu achatado!

Não chegas a constituir nem mesmo um decente segmento de mercado. Seu rejeitado!

És um excesso de estoque obsoleto e extra-oficial. És todo feito de nada!

Mas continuarás não sendo mais

que um preço de realização de opção,

um eterno prejuízo fiscal,

seu privatizado,

seu desregulamentado,

seu instrumento de auto-dissolução avassalariado!

Tua miséria é meu fois gras.

Teu suor o meu champagne.

Tuas ansiedades meu luxo debochado.

Os calos das tuas mãos são o meu abuso de autoridade.

O suor dos teus filhos é minha reserva de capital.

Tuas horas extras não remuneradas são meus lucros acumulados.

Seu sucumbido! Seu labutado! Seu traste desgraçado! Ah Ah Ah!!!

Porque não tentas uma reclamação litigiosa?

Te boto uma ação de despejo.

Porque não procuras um auxílio maternidade?

Te rebato com uma cláusula de reposição.

Porque não pedes um crédito extraordinário?

Te devoro com os meus juros imputados,

os juros embutidos,

os juros simples

os juro compostos.

Os juros implícitos e explícitos. Os juros de mora, os juros provisionados.

Seu imputado! Seu escravo inalterado!

Porque é eternizando tuas penas e aflições

que mantenho impune minha jurisdição

de te poder vampirizar. Seu vil desafortunado.

Tua miséria é eterna e irrevogável. Imutável.

E, se depois de tudo isso,

ainda teimas em respirar,

te faço um swap,

convertendo-te em um qualquer herói,

só para aumentar o prazer dos meus derivados,

o deleite de minha margem de lucro.

Ou te prescrevo,

seu produto semi-acabado

pronto para virar ferro-velho

numa safada pulverização de risco.

E aí, para sempre te acabo. Mas se te acabo é

Só para te reinventar.

Te recalcular.

Te recomputar.

Te repassar como título recém-criado,

oportunamente oportuno… seu servo recalcado

Mas não é que pensando bem… pensando muito bem…

já que és a matéria-prima

para a estabilização de minha renda…

Tua posição a descoberto

É minha maior riqueza, meu inestimável seguro…

Reinvestirei em ti,

Seu descapitalizado!

Mas não é que pensando bem… pensando muito bem…

É uma época oportuna

para te repassar e te cotar em bolsa,

mesmo que tenhas apenas valor de sucata, de lixo não reciclado,

de intangível…

e teu valor residual…

… é desde sempre o meu desprezo.

Por isso te deploro e te exploro.

 

samba<info@imediata.com>