o sentimento do espaço II

Quem me falou pela primeira vez do "sentimento do espaço" foi a notória jornalista carioca Ismênia Dantas. Lá nos idos de Ipanema, antes dos anos setenta. Lembro-me que, como exemplo, ela citou o Pantheon. Quando fui a Roma em 76, confirmei como quase numa descoberta o que Ismênia tão entusiasticamente havia dito. Tanto assim que me deixei ficar horas dentro daquele prédio romano, absorvida em contemplar o fluxo dos turistas que se deixavam fotografar, banhados pelos raios solares que penetravam o espaço através da ogiva. Desta observação, inclusive, saiu um pequeno trabalho fotográfico: "Posando para a Eternidade", que acabou parando nas mãos do Jua Hafers — um amigo colecionador —, que o comprou numa das minhas idas a Nova York em meados dos anos setenta. Naquela época eu tricotava muitas questões sobre o tempo. Questões que, aliás, nunca me abandonaram e que inclusive me apontaram várias outras maneiras de observar/pesquisar, redundando assim em outras práticas estéticas.


Tempo e Espaço, nada de mais complementar.


Vendo o Pantheon – templo de deuses e heróis —, percebe-se claramente a manifestação do desejo humano (e seu simbolismo) em almejar o heroísmo – ou o "lugar ao sol". E através dele a eternidade... No título "Posando para a eternidade", que até pode ser interpretado como um comentário irônico, talvez já esteja contido o germe de uma série posterior, "Comigo Ninguém Pode", que iniciei no final de 1983. Nesta série eu confirmo o meu respeito pelo anônimo heroísmo do dia-a-dia, o heroísmo do João Ninguém, do Jeca Tatu, do Bóia Fria, do Zé, da Maria, do vizinho, do parente distante ou próximo, do amigo e mesmo do inimigo. Esse heroísmo da reinvenção da vida, de criar do zero o cimento dos dias. Nesse ponto, somos todos artistas, reaprendendo sempre a importância de como sobreviver.


Voltando à questão do espaço, diria que a sua compreensão é, na verdade, um sentimento quase religioso. Quando estou sintonizada na vastidão
de uma paisagem, em seus meandros, planos e sobre-planos, sinto que é como se eu estivesse experienciando todas as dobras do tempo contidas, todas as sensações metafísicas nela incrustadas. Não é à toa que em todas as grandes arquiteturas religiosas esse sentimento foi a pedra base onde se alicerçou a proliferação da fé.


Dos enclaves megalíticos da Idade do Cobre aos templos egípcios e gregos. Das Naves Medievais às basílicas romanescas, chegando ao cubo do Unity Temple em Oak Park, desenhado por Frank Loyd Wright, o espaço nos provoca o encontro com a energia invisível nele mesmo apreendida. Aquela energia que tão naturalmente circula pelas florestas e desertos do mundo.

É lógico que o espaço nem sempre é manipulado pelo homem a serviço do contacto com o grande mistério. E isso podemos ver e experienciar nos espaços profanos do poder humano. Do Capitólio a Brasília. De todas
as maneiras, fascina-me esta capacidade que a humanidade tem de dialogar com a geografia do planeta e nela/dela aprender isso que eu chamo "sentimento do espaço".


Para mim, o artista de instalação que ignora a intuição disto, tem muito poucas possibilidades de progredir, pois a arte das instalações origina-se desse sentimento. Conceber, projetar e montar uma instalação é como construir um diálogo visual com todos os elementos do espaço que a contém: luz, sombra, portas, janelas, altura do teto, conformação de paredes, qualidade do piso. Isso quando nos referimos a um espaço fechado. No espaço exterior a mesma regra também é aplicada, embora variando o partido de acordo com os elemento do entorno: árvores, ruas, passagens de pedestre, prédios circunvizinhos, qualidades atmosféricas prevalecentes na região, etc…


Como ávida jardineira que sou, eu não poderia deixar de mencionar o jardim doméstico como uma forma de instalação orgânica inserida no quotidiano. Aqui eu não me refiro aos jardins impessoais produzidos nas pranchas do paisagismo, mas sim àqueles pequenos jardins privados ou semi-privados, que em cadeia floreiam e entendem o mundo como "O Grande Jardim". É nesses pequenos rincões da imaginação anônima que a gente entrevê as conversas dos seus atendentes com o espírito e a seiva da vida. É nesses nichos do carinho humano pelo que é natural que transpira a esperança de dias verdes ainda a porvir. Não é à toa o tipo de significado que em voz popular o verde emana e simboliza...


© Regina Vater, 2001

 

REFERÊNCIAS:


Pantheon:

http://www.roma.freeservers.com/PANTHEON/8.html


"Posando para a Eternidade"
"Comigo ninguém pode"
Enclaves megalíticos da Idade do Cobre:


easyweb.easynet.co.uk/~aburnham/stones.htm


Templos egípios:

simplworld.com/creative/main/egypt.htm


Gregos:

www.wisc.edu/arth/ah201


Naves Medievais:

info.pitt.edu/~medart/menufrance/mainfran.html


Basílicas Romanescas:


web.kyoto-inet.or.jp/org/orion/eng/hst/romanesq


Unity Temple:

www.oprf.com/unity/tour/index.html


Capitólio - Capitoline Hill

hmetown.aol.com/dtro/atter/michel.htm


Brasília:

www.geocities.com/thetropics/3416/index.html

Regina Vater
"Posando para a Eternidade", 1976.
Regina Vater

"Comigo ninguém pode",1984.

Regina Vater
"Comigo ninguém pode" em performance de Zé Celso.
Regina Vater
Jardim da artista, outubro 1998.