Regina Vater faz instalações desde 1970, tendo montado mais de oitenta — como "Talismã para Alimento e Boa Sorte, em homenagem aos povos latino-americanos" de 1994. Nestes textos ela faz uma reflexão sobre as origens e o ofício do artista, que experimenta as várias dimensões do espaço na criação de instalações.


Recentemente, Annette Carlozzi, "senior curator" do Blanton Museum da Universidade do Texas, em Austin, me convidou para um debate sobre o tema "instalações", durante a mostra "Blurring The Boundaries" (Ofuscando os Limites), em curso no museu. Na ocasião, discorri sobre os trabalhos de Bill Viola e Richard Long. Este último tem um poder incrível de trazer o arcaico em mim. Suas instalações também me remetem a um tempo anterior à arte, ou melhor, a um tempo pré classificações artísticas, quando os seres humanos ainda criavam em reposta às suas compreensões cosmológicas da natureza e em função das suas próprias demandas cósmicas.


Em quase todas as aulas que me lembro ter dado sobre instalação, frisei que esta não é uma mídia nova. Na verdade, é até anterior à pintura. Pensando bem, só dos anos setenta para cá é que tal proceder artístico recebeu dos críticos e historiadores da arte o cognome de instalação. Hugh Davis, Diretor do Museu de Arte Contemporânea de San Diego e curador da corrente mostra no Blanton Museum, defende o mesmo ponto de vista. Segundo ele, a chamada "site specific art", ou melhor traduzindo "a arte para um espaço específico", existe desde a época das cavernas. Ele, aliás, costuma introduzir o tema em suas palestras projetando magníficos diapositivos de Lascaux.


Meu alunos brasileiros devem estar lembrados de alguns slides que usei nas aulas, testemunhando as instalações como uma idéia já antiga nas artes, como por exemplo:


Stonehenge e outras esculturas megalíticas européias, que mantêm um diálogo com a natureza ao redor;
— as agulhas egípicias, situadas de modo que o sol venha coroá-las;
— as visões aéreas dos desenhos de Nazca, aos pés dos Andes peruanos;
— as pinturas curativas dos índios Navajo norte-americanos;
— a sombra do Queltzalcóatl, que somente no equinócio desce pelas escadarias do templo maia de Kulkulkán;
— o espaço de uma gruta marítima nas escarpas de pedra que desabam no Mediterrâneo, onde os antigos romanos erigiram uma estátua a um deus conectado com as energias aquáticas, conferindo ao ambiente uma carga de magia e mistério;
— os mosaicos de Hagya Sofia, formados por fragmentos de vidro colados de tal jeito e em tais ângulos sobre o estuco que, quando os raios solares incidem através das janelas, transformam a basílica num reino de luz e transcendência;
— o Capitólio, onde Michelangelo se valeu das leis da perspectiva para emprestar a um espaço diminuto, noções de poder e magnificência;
— a "Última Ceia", onde Da Vinci usou das mesmas leis para ampliar a sala onde o mural foi pintado.


Em Stonehenge, nos obeliscos egípcios e no Iucatán, o tema central é, sem dúvida, a reverência à nossa estrela, que nos ilumina e nos dá a vida. Embora em Ravena o Sol também pose de mestre na grande cúpula catequética.


Do espaço macro dos vales de Nazca ao micro das pinturas em areia navajas, está presente a intenção shamânica de comungar com as forças da natureza, num anseio de cura. Da cura do meio natural — como das fontes das águas para que elas sejam eternas, em Nazca — à cura do corpo pelos artistas/shamans navajos, cujas pinturas têm muito em comum com as mandalas em areia tibetanas.


O que sempre me fascinou nessas instalações arcaicas, além da carga cosmológica, é a reverência pela vida e pelas forças geográficas /geodésicas expressas no perfeito diálogo com o entorno. Elas ali estão, complementando o plano do Criador da beleza local, como se tivessem brotado naturalmente, tal qual uma flor plantada ao azar por um pássaro passante. Sempre enriquecendo a experiência da paisagem.


Outro aspecto que me fascina nestas obras é a escolha respeitosa pelos materiais. Em cada exemplo, o material tem plena razão de ser. Ele é o meio e a mensagem. Usado para complementar e não para transgredir. E, muitas vezes, vem a ser a própria metáfora. Quase sempre tratado a partir de uma sutileza tal que só faz emprestar mais poder ao conjunto da obra.


Isto não quer dizer que toda instalação deva ser construída seguindo essas qualidades como receita. Porém, é importante observar quando uma instalação consegue um diálogo perfeito com o espaço que ocupa. Para mim, o artista de instalação tem que estar sempre atento à arquitetura ou à paisagem local, atingindo um bom diálogo com o meio ambiente. Ele tem que estar sempre atento às leis do espaço e delas saber tirar partido.


É fundamental que o artista de instalação saiba na carne, no osso e no sangue o que é "Espaço".

© Regina Vater, 2001

 

REFERÊNCIAS:

ArtPace:

www.artpace.com/index2.html

Bill Viola:

www.cnca.gob.mx/viola

Richard Long:

www.richardlong.org/sculptures.html

San Diego Museum of Contemporary Art:

www.mcasandiego.org

Lascaux:

www-sor.inria.fr/~pierre/lascaux/

Stonehenge:

stonehenge.20m.com

exn.ca/mysticplaces/stonehenge.cfm

Nazca:

unmuseum.mus.pa.us/nazca.htm

members.xoom.com/perou/

Navajos:

www.americanarts.com/nsandart.htm

México:

weber.ucsd.edu/~anthclub/quetzal.htm

www.best.com/~swanson/chichen/

www.best.com/~swanson/chichen/

www.concentric.net/~yohon/

www.op.net/~uarts/munoz/

Hagya Sofia:

www.patriarchate.org

Leonardo Da Vinci:

www.ibiblio.org/wm/paint/auth/vinci/

Capitólio/Michelangelo:

www.GreatBuildings.com/buildings/

www.michelangelo.com/buonarroti.html

www.humanities.ccny.cuny.edu/History/

Mandalas tibetanas:

www.graphics.cornell.edu/~wbt/mandala/

o sentimento do espaço I
Regina Vater

Magi(o)cean, 1970

Regina Vater

"Talismã para Alimento e Boa Sorte", 1994