Império Americano: uma comunidade fechada

 

 


Brian Eno
CounterPunch

30 de dezembro de 2002

Tradução Imediata

A edição americana da Time não publicará a peça, já que, aparentemente, sua editoria acha que até mesmo a crítica mais branda feita por nossos melhores amigos será demais para a audiência dos EUA. B. Eno

Os europeus sempre olharam para a América com uma mistura de fascínio e perplexidade, e agora, de modo crescente, incredulidade. Como é que um país que se orgulha tanto do seu sucesso econômico pode ter tantos pobres?

Como é que um país tão insistente na autoridade da lei pode isentar-se de acordos internacionais? E como é que o farol mundial da democracia pode ter eleições dominadas por riquíssimos grupos de interesses? Para mim, a questão agora é: "Como é que um país que produziu tanta riqueza cultural e econômica pode agir de maneira tão estúpida?"

Eu poderia encher esta página com nomes de americanos que me influenciaram, entretiveram e educaram. Eles representam o que eu admiro a respeito da América: uma forte originalidade de pensamento, e uma confiança de que as coisas podem mudar para melhor.

Aquela era a América onde vivi e que desfrutei de 1978 a 1983. Aquela América era um ato de fé–a fé de que a "diversidade do outro" não era algo ameaçador, mas positivo, a fé de que poderia haver um país suficientemente grande em espírito para acolher e abrigar toda a diversidade que o mundo poderia lhe enviar. Mas aquela visão está sendo eclipsada por uma América suspeitosa e introvertida, uma versão tamanho-país daquela forma de gueto peculiarmente americana: a comunidade fechada.

Uma comunidade fechada é defensiva. Concebida para manter os "outros" fora, ela dissolve a rica teia da sociedade em um grupo randômico de indivíduos desconectados. Ela faz da paranóia e do isolamento um estilo de vida.

Seguramente, esta não é a América com a qual todos sonharam; é um recurso terminal, e não a escolha de quem quer que seja. Isso é especialmente irônico, já que boa parte da melhor produção do pensamento sobre sociedade, economia, política e filosofia do século passado veio da América. Desobstruída do esnobismo e exclusivismo de boa parte do pensamento europeu, os pensadores americanos avançaram–corajosos, inovadores e determinados a falar numa linguagem acessível ao público.

Porém, infelizmente, durante o mesmo período, os meios de comunicação de massa regrediram, prosperando por meio de histórias cada vez mais simples e trivializando as notícias, transformando-as em algo indistinto do entretenimento. Em consequência, todo um patrimônio de pensamento original e sutil--a riqueza verdadeira da América--foi desperdiçado.

Esse estreitamento da mente americana é exacerbado pela supressão da esquerda das atividades políticas. Praticamente ignorada pela mídia, a esquerda se marginalizou ulteriormente, refugiando-se numa crítica cultural introspectiva. Parece contentar-se com a prática do yoga e com o estudos da sexualidade, deixando a política para a direita fundamentalista cristã e as multinacionais.

A separação entre igreja e estado parece estar sendo demolida, também. O discurso político é agora dominado pela moralização, como a promoção feita por George W. Bush no exterior dos "valores da família" da América, e qualquer divergência é considerada anti-patriótica. "Quem não está conosco está contra nós" é o tipo de tirada que se esperaria de um mulá beato, e não de um presidente americano.

Quando os europeus fazem esse tipo de crítica, os americanos tomam como certo que somos invejosos. "Eles querem o que nós temos," é o pensamento geral, "e se eles não podem conseguir o que temos, vão tentar nos impedir de ter, também." Mas será mesmo que todo o mundo quer o que a América tem? Bem, gostamos de uma parte, mas podemos tranquilamente passar sem o resto: as mais altas taxas de crimes violentos, desigualdade econômica, analfabetismo funcional, encarceramento e consumo de drogas no mundo desenvolvido. Recentemente, o presidente Bush declarou que os EUA eram o "único modelo sobrevivente de progresso humano".

Talvez alguns americanos achem que isso seja evidente, mas o resto de nós considera isso uma deselegante arrogância, fruto da ignorância.

Os europeus tendem a considerar os sistemas nacionais de saúde gratuitos, os benefícios-desemprego, os sistemas nacionais de habitação, etc… como bons modelos de progresso humano. Acreditamos que é importante–de fato, civilizado–ajudar as pessoas que sucumbem no sistema. Não se trata apenas de altruísmo, mas de uma compreensão de que ter muitos perdedores na sociedade prejudica a todos. É melhor que todos tenham uma participação na sociedade do que ter uma subclasse cheia de ressentimento e pronta a botar para quebrar.

Para muitos americanos, isso pode parecer com socialismo, muita burocracia governamental, um estado de babás. Mas, e daí? O resultado é que a Europa tem menos crime e menos pobreza e, provavelmente, maior qualidade de vida que os EUA, o que nos faz perguntar porque será que a América não deseja algo daquilo que nós temos.

Com muita frequência, os EUA apresentam o "American way" como o único modo de vida possível, insistindo nessa espécie de darwinismo do livre mercado como "o único modelo aceitável" de progresso humano. Mas a civilização não é justamente aquilo que ocorre quando as pessoas param de se comportar como se estivessem presas numa implacável luta darwinista e começam a pensar sobre comunidades e futuros compartilhados? A América como comunidade fechada não funcionará, porque nem mesmo a única superpotência mundial pode construir muralhas suficientemente altas para proteger-se das realidades entrelaçadas do século XXI.

Há uma melhor forma de segurança: reconectar-se com o resto do mundo, não trancá-lo para fora; parar de fazer inimigos e começar a fazer amigos. Talvez seja pedir muito que a América se comporte diferentemente de todos os outros impérios da História, mas não era essa a idéia original?"

Brian Eno é um músico que acredita que a mudança de regime começa em casa.

 

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December 30, 2002

American Empire as Gated Community

by BRIAN ENO

The American edition of Time will not be running the piece, as apparently they think that even the mildest criticism from our warmest friends will be too much for a U.S. audience to handle. B. Eno

"Europeans have always looked at America with a mixture of fascination and puzzlement, and now, increasingly, disbelief. How is it that a country that prides itself on its economic success could have so many very poor people?

How is it that a country so insistent on the rule of law should seek to exempt itself from international agreements? And how is it that the world's beacon of democracy can have elections dominated by wealthy special interest groups? For me, the question has become: "How can a country that has produced so much cultural and economic wealth act so dumb?"

I could fill this page with the names of Americans who have influenced, entertained and educated me. They represent what I admire about America: a vigorous originality of thought, and a confidence that things can be changed for the better.

That was the America I lived in and enjoyed from 1978 until 1983. That America was an act of faith--the faith that "otherness" was not threatening but nourishing, the faith that there could be a country big enough in spirit to welcome and nurture all the diversity the world could throw at it. But that vision is being eclipsed by a suspicious, introverted America, a country-sized version of that peculiarly American form of ghetto: the gated community.

A gated community is defensive. Designed to keep the "others" out, it dissolves the rich web of society into a random clustering of disconnected individuals. It turns paranoia and isolation into a lifestyle.

Surely this isn't the America that anyone dreamed of; it's a last resort, nobody's choice. It's especially ironic since so much of the best new thinking about society, economics, politics and philosophy in the last century came from America. Unhampered by the snobbery and exclusivity of much European thought, American thinkers vaulted forward--courageous, innovative and determined to talk in a public language.

But, unfortunately, over the same period, the mass media vaulted backwards, thriving on increasingly simple stories and trivializing news into something indistinguishable from entertainment. As a result, a wealth of original and subtle thought--America's real wealth--is squandered.

This narrowing of the American mind is exacerbated by the withdrawal of the left from active politics. Virtually ignored by the media, the left has further marginalized itself by a retreat into introspective cultural criticism. It seems content to do yoga and gender studies, leaving the fundamentalist Christian right and the multinationals to do the politics.

The separation of church and state seems to be breaking down too. Political discourse is now dominated by moralizing, like George W. Bush's promotion of American "family values" abroad, and dissent is unpatriotic. "You're either with us or against us" is the kind of cant you'd expect from a zealous mullah, not an American president.

When Europeans make such criticisms, Americans assume we're envious. "They want what we've got," the thinking goes, "and if they can't get it, they're going to stop us from having it." But does everyone want what America has? Well, we like some of it but could do without the rest: the highest rates of violent crime, economic inequality, functional illiteracy, incarceration and drug use in the developed world. President Bush recently declared that the U.S. was "the single surviving model of human progress".

Maybe some Americans think this self-evident, but the rest of us see it as a clumsy arrogance born of ignorance.

Europeans tend to regard free national health services, unemployment benefits, social housing, and so on as pretty good models of human progress. We think it's important--civilized, in fact--to help people who fall through society's cracks. This isn't just altruism, but an understanding that having too many losers in society hurts everyone. It's better for everybody to have a stake in society than to have a resentful underclass bent on wrecking things.

To many Americans, this sounds like socialism, big government, the nanny state. But so what? The result is: Europe has less crime and less poverty and arguably higher quality of life than the U.S., which makes a lot of us wonder why America doesn't want some of what we've got.

Too often, the U.S. presents the "American way" as the only way, insisting on its kind of free market Darwinism as the only acceptable" model of human progress." But isn't civilization what happens when people stop behaving as if they're trapped in a ruthless Darwinian struggle and start thinking about communities and shared futures? America as a gated community won't work, because not even the world's sole superpower can build walls high enough to shield itself from the intertwined realities of the 21st century.

There's a better form of security: reconnect with the rest of the world, don't shut it out; stop making enemies and start making friends. Perhaps it's asking a lot to expect America to act differently from all the other empires in history, but wasn't that the original idea?"

Brian Eno is a musician who believes that regime change begins at home.

 

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