A solidão de Noam Chomsky

 

 


Arundhati Roy

1º de setembro de 2003

Tradução Imediata

"Eu nunca pedirei desculpas em nome dos Estados Unidos da América — Não quero nem saber quais são os fatos."

Presidente George Bush Sr.

Sentada em minha casa, em Nova Déli, assistindo um canal de TV americano se autopromover ("Nós reportamos. Você decide."), eu imagino o sorriso entretido e com um dente lascado de Noam Chomsky.

Todo mundo sabe que os regimes autoritários, independentemente de sua ideologia, utilizam a mídia de massas para propaganda. Mas o que dizer dos regimes democraticamene eleitos do "mundo livre"?

Hoje em dia, graças a Noam Chomsky e a seus colegas que analisam a mídia, é quase axiomático, para milhares, talvez milhões, entre nós, de que a opinião pública nas democracias de "livre mercado" é manufaturada como qualquer outro produto para o mercado de massas — sabonetes, interruptores, ou pão em fatias. Sabemos que, embora em termos jurídicos e constitucionais a expressão possa ser livre, o espaço dentro do qual a liberdade pode ser exercida foi arrancado de nós e leiloado a quem der o maior lance. O capitalismo neoliberal não diz respeito somente à acumulação de capital (para alguns). É também acumulação de poder (para alguns), acumulação de liberdade (para alguns). Por outro lado, para o resto do mundo, para as pessoas que são excluídas do corpo governante do neoliberalismo, trata-se de erosão de capital, erosão de poder, erosão de liberdade. No "livre mercado", a liberdade de expressão tornou-se uma mercadoria como qualquer outra coisa — — justiça, direitos humanos, água potável, ar limpo. E, naturalmente, aqueles que têm recursos para comprá-la, utilizam a liberdade de expressão para manufaturar o tipo de produto, confeccionar o tipo de opinião pública, que melhor servir seus propósitos. (Notícias que eles possam usar.) O modo exato de como isso é feito foi o tema de muitos dos escritos políticos de Noam Chomsky.

O primeiro-ministro Silvio Berlusconi, por exemplo, tem uma participação que lhe dá o controle dos maiores jornais, revistas, canais de televisão e editoras da Itália. "O primeiro-ministro controla, efetivamente, cerca de 90 por cento da audiência italiana", reporta o Financial Times. Qual o preço da liberdade de expressão? Liberdade de expressão para quem? Inegavelmente, Berlusconi é um exemplo extremo. Em outras democracias — nos Estados Unidos, em particular — os barões da mídia, os poderosos lobbies corporativos e os funcionários governamentais estão envolvidos de um modo mais elaborado, menos óbvio. (As conexões de George Bush Jr. com o lobby do petróleo, com o setor de armas, com a Enron, e a infiltração da Enron nas instituições do governo dos EUA e na mídia de massas — tudo isso é, agora, de conhecimento público.)

Depois de 11 de setembro de 2001, dos ataques terroristas a Nova York e Washington, o papel desempenhado descaradamente por grande parte da mídia como mero porta-voz do governo dos EUA, sua demonstração de patriotismo vingativo, sua disposição para publicar os folhetos distribuídos pelo Pentágono como se fossem notícias, e sua censura explícita das opiniões divergentes tornaram-se alvo de um belo humor negro no resto do mundo.

Daí teve lugar a queda da Bolsa de Nova York, companhias aéreas falidas apelaram por fianças governamentais, e falou-se de esquivar as leis de patentes para manufaturar genéricos para combater o alarme do antraz (muito mais importante e, urgente, naturalmente, do que a produção de genéricos para comater a AIDS na África…). De repente, começou a parecer como se os mitos gêmeos da Liberdade de Expressão e do Livre Mercado pudessem desabar junto às Torres Gêmeas do World Trade Center.

Mas, é claro, isso nunca ocorreu. Os mitos continuam vivos.

Há, contudo, um lado mais brilhante, relativo ao montante de energia e dinheiro que o establishment despeja nos negócios de "gerenciamento" da opinião pública. E que indica um medo muito real da opinião pública. Indica uma persistente e válida preocupação de que se as pessoas descobrissem (e compreendessem plenamente) a natureza real das coisas que são feitas em seu nome, elas poderiam agir com base nesse conhecimento. Os poderosos sabem que as pessoas comuns nem sempre são desalmadas e egoístas. (Quando as pessoas comuns pesam os custos e os benefícios, há algo como uma consciência apreensiva que poderia escalar fácil e rapidamente.) Por esse motivo, elas precisam ser mantidas sob controle, protegidas da realidade, guardadas na traseira sob um clima controlado, numa realidade alterada, como galinhas ou porcos de grelha dentro de um cercado.

Aqueles, dentre nós, que conseguiram escapar dessa sina e não param de arranhar a cerca no fundo do quintal, não acreditam mais em tudo o que lêem nos jornais ou assistem na TV. Colamos nossos ouvidos ao solo e procuramos outros modos de fazer sentido no mundo. Buscamos a história que não foi contada, o golpe militar mencionado apenas de passagem, o genocídio não reportado, a guerra civil em um país africano relatada numa coluna de três centímetros, lado a lado de uma publicidade de página inteira de uma lingerie de renda.

Nem sempre nos lembramos, e muitos nem sequer sabem, que esse modo de pensar, essa fácil acuidade, essa desconfiança instintiva em relação à mídia de massas seria, na melhor das hipóteses, um palpite político, e na pior, uma acusação solta, não fosse pela análise incansável e inabalável de uma das grandes cabeças do mundo. E esse é apenas um dos modos pelos quais Noam Chomsky alterou radicalmente nossa compreensão da sociedade em que vivemos. Ou, será que eu deveria dizer, nossa compreensão das sofisticadas regras do asilo pinel no qual somos todos presidiários voluntários?

Falando sobre os ataques de 11 de setembro em Nova York e Washington, o Presidente George W. Bush chamou os inimigos dos EUA de "inimigos da liberdade". "Os americanos perguntam: — porque nos odeiam?" disse ele. "Eles odeiam nossas liberdades, nossa liberdade de religião, nossa liberdade de expressão, nossa liberdade de votar e de nos reunirmos e de discordarmos uns dos outros."

Se há pessoas nos EUA que quiserem uma resposta verdadeira para aquela pergunta (ao contrário das respostas que podem ser encontradas no Idiot's Guide to Anti-Americanism (Guia para idiotas sobre anti-americanismo), ou seja: "Porque eles nos invejam", "Porque eles odeiam a liberdade", "Porque eles são uns perdedores", "Porque nós somos bons e eles são maus"), eu diria, leiam Chomsky. Leiam Chomsky no que diz respeito às intervenções militares dos EUA na Indochina, na América Latina, no Iraque, na Bósnia, na antiga Iugoslávia, no Afeganistão e no Oriente Médio. Se as pessoas comuns nos EUA lessem Chomsky, talvez suas perguntas seriam contextualizadas de um modo diferente. Talvez seriam do tipo: "Como é que eles não nos odeiam ainda mais?" ou "Não é surpreendente que o 11 de setembro não tenha ocorrido muito antes?"

Infelizmente, nessa época nacionalista, palavras como "nós" e "eles" são usadas ao léu. A fronteira entre cidadãos e estado foi embaçada deliberadamente e com sucesso, não só pelos governos, como também pelos terroristas. A lógica subjacente dos ataques terroristas, assim como das guerras de "retaliação" contra os governos que "apóiam o terrorismo", é a mesma: ambas punem os cidadãos pelas ações de seus governos.

(Uma breve divagação: eu entendo que é mais educado quando um cidadão dos EUA, como Noam Chomsky, critica seu próprio governo do que alguém como eu, cidadã da Índia, quando critico o governo dos EUA. Eu não sou patriota, e sou plenamente consciente de que a venalidade, a brutalidade e a hiprocrisia estão impressas nas almas de chumbo de cada estado. Mas quando um país cessa de ser meramente um país e se torna um império, então a escala de operações muda dramaticamente. Portanto, gostaria de esclarecer que falo na qualidade de sujeito do império dos EUA. Falo como uma escrava que tem a pretensão de criticar seu rei.)

Se eu tivesse que escolher uma das maiores contribuições de Noam Chomsky para o mundo, seria o fato de que ele desmascarou o universo feio, manipulador e cruel que existe por trás da bela e ensolarada palavra "liberdade". Ele fez isso racional e empiricamente. A massa de evidência que ele compilou para construir seu caso é formidável. Na realidade, terrificante. A premissa inicial do método de Chomsky não é ideológica, mas é intensamente política. Ele embarca no seu percurso de investigação com uma desconfiança instintivamente anárquica do poder. Ele nos leva a uma excursão pelo pântano do establishment dos EUA, e nos conduz através do labirinto estonteante dos corredores que conectam o governo, os grandes negócios e o negócio do gerenciamento da opinião pública.

Chomsky nos mostra como frases do tipo "liberdade de expressão", "livre mercado", "mundo livre" pouco ou nada têm a ver com liberdade. Ele nos mostra que, entre as miríades de liberdades conclamadas pelo governo dos EUA, estão a liberdade de assassinar, de aniquilar, e de dominar outros povos. A liberdade de financiar e patrocinar déspotas e ditadores no mundo todo. A liberdade de treinar, armar e abrigar terroristas. A liberdade de derrubar governos eleitos democraticamente. A liberdade de amontoar e usar armas de destruição em massa — químicas, biológicas e nucleares. A liberdade de declarar guerra contra qualquer país cujo governo não seja bem visto. E, pior de tudo, a liberdade de cometer esses crimes contra a humanidade em nome da "justiça", em nome da "retidão", em nome da "liberdade".

O procurador-geral John Ashcroft declarou que as liberdades dos EUA "não são concessão de nenhum governo ou documento, mas… um presente que nos foi outorgado por Deus". Portanto, basicamente, encaramos um país armado por um mandato dos céus. Talvez isso explique porque o governo dos EUA se recuse a julgar a si próprio com os mesmos padrões morais que julga os outros. (Qualquer tentativa nesse sentido é denunciada como "equivalência moral".) Sua técnica é posicionar-se como o gigante bem intencionado cujos feitos são confundidos em países estranhos por seus nativos conspiradores, cujos mercados está tentando liberar, cujas sociedades está tentando modernizar, cujas mulheres está tentando libertar, cujas almas está tentando salvar.

Talvez essa crença em sua própria divindade explique porque o governo dos EUA tenha se outorgado a si próprio o direito e a liberdade de assassinar e exterminar pessoas "para o próprio bem delas".

Ao anunciar os ataque aéreos contra o Afeganistão, o Presidente Bush Jr. disse: "Somos uma nação pacífica." Continuou dizendo: "Esse é o chamado dos Estados Unidos da América, a nação mais livre do mundo, uma nação construída sobre valores fundamentais, que rejeita o ódio, rejeita a violência, rejeita os assassinos, rejeita o mal. E nós não descansaremos."

O império dos EUA se assenta numa fundação terrível: o massacre de milhões de indígenas, o roubo de suas terras e, depois disso, o seqüestro e a escravização de milhões de negros da África, para trabalharem a terra. Milhares morreram nos mares, ao serem despachados como gado entre os continentes. "Roubados da África, trazidos para a América" – "Buffalo Soldier" de Bob Marley contém todo um universo de tristeza inexprimível. Fala da perda de dignidade, da perda do estado natural selvático, da perda da liberdade, do despedaçar-se do orgulho de um povo. Genocídio e escravidão fornecem a escora social e econômica da nação cujos valores fundamentais rejeitam o ódio, os assassinatos e o mal.

Eis Chomsky, escrevendo em seu ensaio "The Manufacture of Consent" ("A Manufatura da Conformidade") sobre a fundação dos Estados Unidos da América:

Durante o feriado de Thanksgiving (Dia de Ação de Graças), há alguns dias, fiz uma caminhada com alguns amigos e familiares em um parque nacional. Aí, nos deparamos com uma lápide, sobre a qual havia uma inscrição: "Aqui jaz uma mulher indígena, uma wampanoag, cuja família e tribo se entregaram, assim como à sua própria terra, para que esta grande nação pudesse nascer e crescer."

Naturalmente, não é suficientemente exato dizer-se que a população indígena se entregou e entregou sua própria terra para esse nobre propósito. Mais exatamente, eles foram assassinados, dizimados e dispersos durante um dos maiores exercícios de genocídio de toda a história humana… o qual celebramos a cada mês de outubro, quando homenageamos Colombo — ele próprio um famoso assassino de massas – no Columbus Day.

Centenas de cidadãos americanos, pessoas bem intencionadas e decentes, avançam em grupo em direção àquela lápide e lêem a inscrição, aparentemente sem qualquer reação, exceto, talvez, um sentimento de satisfação de que, enfim, estamos prestando algum reconhecimento aos sacrifícios dos povos nativos… é provável que elas reagiriam diferentemente se estivessem visitando Auschwitz ou Dachau e se confrontassem com uma lápide com a inscrição: "Aqui jaz um mulher, uma judia, cuja família e tribo se entregaram, assim como à sua própria terra, para que esta grande nação pudesse crescer e prosperar."

Como os EUA puderam sobreviver a esse passado terrível e emergir com uma cara tão boa? Não foi admitindo aquilo que tinha sido feito, não foi por meio de reparações, não foi pedindo desculpas aos negros americanos ou aos nativos americanos, e certamente não foi por meio de mudanças em seus modos de atuação (já que agora exporta suas crueldades). Como a maioria dos demais países, os EUA rescreveram sua própria história. Mas o que distingue os EUA dos outros países, e o que o coloca na linha de frente da corrida, é que contratou os serviços da firma de publicidade mais poderosa e bem sucedida do mundo: Hollywood.

Na versão best-seller do mito popular vendido como história, a "bondade" dos EUA atingiu seu clímax durante a Segunda Guerra Mundial (na Guerra da América Contra o Fascismo). Na realidade, atordoado pelo estrondo da trombeta e do canto do anjo, está o fato de que enquanto o fascismo estava a pleno galope na Europa, o governo dos EUA olhou para o outro lado. Quando Hitler continuava a execução de seu progrom genocida contra os judeus, os funcionários do governo dos EUA recusavam a entrada dos refugiados judeus que escapavam da Alemanha. Os EUA entraram na guerra somente depois que os japoneses bombardearam Pearl Harbor. Afogado pelo barulhentos hosanas, encontra-se o mais bárbaro dos atos; de fato, o ato mais selvagem que o mundo jamais testemunhou: o lançamento da bomba atômica sobre as populações civis de Hiroshima e Nagasaki. A guerra estava quase no fim. As centenas de milhares de cidadãos japoneses que foram mortos, as inúmeras pessoas que foram vítimas de câncer por inúmeras gerações futuras, não constituíam uma ameaça à paz mundial. Eram população civil. Como as vítimas do bombardeio do World Trade Center e do Pentágono eram população civil. Como as milhares e milhares de pessoas que morreram no Iraque como resultado das sanções lideradas pelos EUA também eram população civil. O bombardeio de Hiroshima e Nagasaki foi um experimento frio e calculado, realizado para demonstrar o poder da América. Naquela época, o Presidente Truman descreveu o fato como "o maior evento da história".

A Segunda Guerra Mundial, como nos dizem, foi uma "guerra pela paz". A bomba atômica era uma "arma de paz". Somos convidados a acreditar que a intimidação nuclear evitou a ocorrência da Terceira Guerra Mundial. (Isso antes que o Presidente George Bush Jr. viesse com sua "doutrina de ataque preventivo". Houve uma explosão de paz depois da Segunda Guerra Mundial? Certamente, houve uma paz relativa na Europa e na América — mas será que isso conta como paz? Não, a menos que as guerras selvagens e por procuração combatidas onde vivem as raças de outras cores (os "chinks, niggers, dinks, wogs, gooks" [N.T.: nomes pejorativos dados pelos americanos respectivamente aos chineses, negros, árabes, hindus ou negros, asiáticos ou vienamitas, etc…]) não contarem como guerra.

Desde a Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos estiveram em guerra contra, ou atacaram, entre outros países, a Coréia, Guatemala, Cuba, Laos, Vietnã, Camboja, Granada, Líbia, El Salvador, Nicarágua, Panamá, Iraque, Somália, Sudão, Iugoslávia e Afeganistão. Essa lista deveria incluir as operações camufladas pelo governo dos EUA na África, Ásia e América Latina, os golpes que projetaram e os ditadores que armaram e apoiaram. Deveria incluir também a guerra de Israel contra o Líbano, financiada pelos EUA e na qual milhares de pessoas foram mortas. Deveria também incluir o papel fundamental que a América desempenhou no conflito do Oriente Médio, no qual milhares de pessoas têm morrido ao combaterem a ocupação ilegal dos territórios palestinos por Israel. Deveria também incluir o papel da América na guerra civil do Afeganistão nos anos 80, na qual mais de um milhão de pessoas foram mortas. Deveria também incluir os embargos e as sanções que levaram direta e indiretamente à morte de centenas de milhares de pessoas, mais visivelmente no Iraque.

Juntando-se isso tudo, parece que, na realidade, houve mesmo uma Terceira Guerra Mundial, e que o governo dos EUA era (ou é) um de seus principais protagonistas.

A maioria dos ensaios que compõem For Reasons of State (Por Razões de Estado) de Chomsky era sobre a agressão dos EUA no Vietnã do Sul, Vietnã do Norte, Laos e Camboda. Foi uma guerra que durou mais de 12 anos. Cinqüenta e oito mil americanos e cerca de dois milhões de vietnamitas, cambojanos e laocianos perderam a vida. Os EUA enviaram tropas com meio milhão combatentes e jogaram mais de seis milhões de toneladas de bombas. E mesmo assim, embora seja difícil de acreditar para quem vê a maioria dos filmes de Hollywood, a América perdeu a guerra.

A guerra começou no Vietnã do Sul e se espalhou para o Vietnã do Norte, Laos e Cambodja. Depois de ter colocado no poder um regime cliente em Saigon, o governo dos EUA se autoconvidou para combater uma insurgência comunista — guerrilheiros vietcongs que tinham se infiltrado nas regiões rurais do Vietnã do Sul, onde os habitantes lhes forneciam abrigo. Esse foi o modelo exato que a Rússia replicou quando, em 1979, autoconvidou-se no Afeganistão. Ninguém no "mundo livre" tem qualquer dúvida sobre o fato de que a Rússia invadiu o Afeganistão. Depois da glasnost, até mesmo um ministro do exterior soviético chamou a invasão do Afeganistão de "ilegal e imoral". Mas esse tipo de introspecção não teve lugar nos Estados Unidos. Em 1984, numa estonteante revelação, Chomsky escreveu:

Nos últimos 22 anos, eu tenho tentado encontrar alguma referência no jornalismo da grande mídia ou nos escritos acadêmicos sobre a invasão americana do Vietnã do Sul em 1962 (ou outro dia), ou sobre qualquer agressão americana na Indochina — sem ter tido sucesso. Esse evento não existe na história. Mais precisamente, encontra-se algo sobre a defesa do Vietnã do Sul pela América, contra os ataques terroristas que contavam com apoio externo (principalmente do Vietnã).

Não existe um evento desses na história!

Em 1962, a Força Aérea dos EUA começou a bombardear a região rural do Vietnã do Sul, onde 80 por cento da população residia. Os bombardeios duraram mais de uma década. Milhares de pessoas foram mortas. A idéia era bombardear numa escala suficientemente colossal de modo a induzir uma migração em função do pânico, dos vilarejos para as cidades onde as pessoas poderiam ser detidas em campos de refugiados. Samuel Huntington referiu-se a esse processo como "urbanização". (Eu fiquei sabendo dessa urbanização quando era estudante de arquitetura na Índia. De qualquer modo, não me consta que bombardeamento aéreo fizesse parte do curriculum escolar.) Huntington – hoje famoso pelo seu ensaio "The Clash of Civilizations?" ("O choque das civilizações?") – era, naquela época, presidente do Council on Vietnamese Studies of the Southeast Asia Development Advisory Group (Conselho de Estudos Vietnamitas do Grupo de Assessoria para o Desenvolvimento do Sudeste da Ásia). Chomsky o cita, quando aquele autor descreve os vietcongs como "uma força poderosa que não pode ser extirpada dos distritos nos quais está enraizada, enquanto esses distritos continuarem a existir". Huntington prossegue, aconselhando uma "aplicação direta de poder mecânico e convencional"– em outras palavras, para esmagar uma guerra do povo, eliminar o povo. (Ou, talvez, para atualizar sua tese – para se prevenir um choque de civilizações, aniquilar a civilização.)

Eis um observador daquela época, a respeito das limitações do poder mecânico da América: "O problema é que as máquinas americanas não se equiparam com a tarefa de matar soldados comunistas, exceto como parte de uma política de terra queimada que destrua todo o resto também." Aquele problema foi resolvido, agora. Não com bombas menos destrutivas, mas com uma linguagem mais imaginativa. Há uma maneira mais elegante de se dizer "que destrua todo o resto também". A frase é "dano colateral".

E existe um relato em primeira mão daquilo que as "máquinas" americanas (Huntington as chamava de "instrumentos de modernização" e os funcionários do Pentágono as chamavam de "bomb-o-grams") podiam fazer. Trata-se de T.D. Allman sobrevoando a planície de Jars, no Laos.

Mesmo se a guerra no Laos terminasse amanhã, a restauração de seu equilíbrio ecológico poderia levar vários anos. A reconstrução das cidades e dos vilarejos da Planície destruídos poderia também levar muitos anos. Mesmo se isso ocorresse, a Planície poderia revelar-se perigosa para abrigar habitantes devido às centenas de milhares de bombas não explodidas, minas e armadilhas minadas.

Um vôo recente sobre a Planície de Jars revelou o que menos de três anos de intensivo bombardeio americano pode provocar numa área rural, mesmo depois que a sua população civil tenha sido evacuada. Em extensas áreas, a cor tropical primária — o verde exuberante — foi substituído por um padrão abstrato de cor negra e de cores metálicas brilhantes. A maioria da folhagem sobrevivente está atrofiada e opaca, devido aos desfolhadores.

Hoje, o negro é a cor predominante das extensões do norte e do sul da planície. O napalm é lançado regularmente para queimar a grama e o mato que cobre as planícies e que preenche seus vários desfiladeiros estreitos. Os incêndios parecem ser constantes, criando retângulos negros. Durante o vôo, plumas de fumaça podiam ser vistas, erguendo-se das áreas recém bombardeadas.

As estradas principais, chegando à planície do território mantido pelos comunistas, são bombardeadas implacável e incessantemente, sem pausas. Lá, e ao longo de toda a borda da planície, a cor predominante é o amarelo. Toda a vegetação foi destruída. As crateras são inúmeras… A área foi bombardeada tantas vezes repetidamente que a terra parece o deserto marcado e escumado das áreas desérticas atingidas por tempestades no Norte da África.

Mais em direção ao sudeste, Xieng Khouangville – uma vez a cidade mais povoada do Laos comunista — jaz vazia, destruída. Ao norte da planície, o pequeno vilarejo de Khang Khay também foi destruído.

Em volta do campo de pouso da base de King Kong, as cores predominantes são o amarelo (devido ao solo revolvido) e o negro (devido ao napalm), aliviado por manchas de cor vermelha e azul intensa: os pára-quedas costumavam atirar suprimentos.

Os últimos habitantes do local foram transportados por via aérea. Jardins de vegetais abandonados que nunca mais viram qualquer colheita cresceram perto das casas abandonadas, dentro das quais estão ainda postos os pratos sobre as mesas e afixados os calendários nas paredes.

(Nunca foram calculados entre os "custos" da guerra o número de pássaros mortos, os animais carbonizados, os peixes assassinados, os insetos incinerados, as fontes de água envenenadas, a vegetação exterminada. Raramente mencionada é a arrogância da raça humana em relação às outras formas de vida, com as quais compartilha esse planeta. Tudo isso é esquecido, na luta por mercados e ideologias. Essa arrogância será, provavelmente, a ruína final da espécie humana.)

Parte fundamental de For Reasons of State (Por Razões de Estado) é um ensaio titulado "The Mentality of the Backroom Boys" ("A Mentalidade dos Rapazes do Quarto dos Fundos"), no qual Chomsky oferece uma análise extraordinariamente desenvolta e exaustiva dos Pentagon Papers (Documentos do Pentágono), sobre os quais ele diz que "fornecem evidência documentária de uma conspiração para usar a força em questões internacionais, infringindo a lei". Aqui também, Chomsky observa o fato de que enquanto o bombardeio do Vietnã do Norte é discutido com certa profundidade nos Pentagon Papers, a invasão do Vietnã do Sul mal merece uma menção.

Os Pentagon Papers são fascinantes, não como documentação da história da guerra dos EUA na Indochina, mas para dar uma idéia da mentalidade dos homens que a planejaram e a executaram. É fascinante ficar a par das idéias que estavam sendo lançadas, das sugestões que eram feitas, das propostas que foram apresentadas. Numa seção titulada "The Asian Mind – the American Mind" ("A Mente Asiática — A Mente Americana"), Chomsky examina a discussão sobre a mentalidade do inimigo que "estoicamente aceita a destruição dos bens e a perda de vidas", ao passo que "nós queremos a vida, a felicidade, a riqueza e o poder" e, para nós, "a morte e o sofrimento são escolhas irracionais, se existirem alternativas". Assim, aprendemos que os pobres asiáticos, presumivelmente porque eles não podem entender o significado da felicidade, do bem-estar e do poder, convidam a América para levar a cabo essa "lógica estratégica até a sua conclusão, que é o genocídio". Mas daí "nós" barramos o plano, porque o "genocídio é um fardo muito pesado para carregar". (Eventualmente, é claro, "nós" fomos adiante e cometemos o genocídio de todo jeito, e em seguida, fingimos que ele nunca realmente ocorreu.)

Naturalmente, os Pentagon Papers contêm também algumas propostas moderadas.

Ataques a populações-alvo (per se), provavelmente, não só criam uma onda contraproducente de repulsa, tanto no país quanto no exterior, como aumentam muito o risco de estender a guerra com a China e a União Soviética. Destruição de comportas e represas, entretanto — se forem gerenciadas corretamente — … podem ser promissoras. Isso deveria ser estudado. Esse tipo de destruição não mata ou afoga as pessoas diretamente. Mas, inundando-se superficialmente o arroz, depois de um tempo haverá inanição generalizada na região (mais de um milhão?), a menos que se providenciem alimentos — e nós poderíamos oferecer esses alimentos numa "mesa de conferência".

Camada por camada, Chomsky desmonta o processo de tomada de decisão dos funcionários do governo dos EUA, para revelar em essência o coração desalmado da máquina de guerra americana, completamente isolado das realidades de guerra, cego pela ideologia, e disposto a aniquilar milhões de seres humanos, populações civis, soldados, mulheres, crianças, vilarejos, inteiras cidades, inteiros ecossistemas — com métodos de brutalidade cientificamente afiados.

Eis um piloto americano falando sobre as alegrias do napalm:

Certamente, estamos satisfeitos com os backroom boys da Dow. O produto original não era tão ‘quente’ — se os gooks (N.T.: pejorativo de asiático, ou de vietnamita, ou de soldado vietnamita do norte) fossem rápidos, poderiam removê-lo. Então, os backroom boys começaram a acrescentar polistireno — agora gruda feito bosta num cobertor. Mas se os ‘gooks’ se atirarem na água, parava de queimar, então eles começaram a acrescentar ‘Willie Peter’ [fósforo branco] assim eles poderiam queimar melhor. Queima até embaixo d’água. E só uma gota é o suficiente, continua queimando até o osso, assim eles morrem de qualquer jeito, por causa do envenenamento provocado pelo fósforo.

Portanto, os ‘gooks’ felizardos foram aniquilados para o seu próprio bem. ‘Better Dead than Red’ ("Melhor Morto que Vermelho’)..

Graças aos sedutores charmes de Hollywood e ao irresistível apelo da mídia de massas americana, todos esses anos que se seguiram, o mundo vê a guerra como uma história americana. A Indochina forneceu o fundo tropical exuberante do cenário no qual os EUA soltaram suas fantasias de violência, testaram suas mais recentes tecnologias, fizeram avançar sua ideologia, examinaram sua consciência, agonizaram com os dilemas morais e lidaram com sua culpa (ou fingiram fazê-lo). Os vietnamitas, cambojanos e laocianos foram só pontas no roteiro. Sem nome, sem rosto, meros humanóides de olhos puxados. Eles eram apenas as pessoas que morriam. Gooks.

A única lição verdadeira que o governo dos EUA aprendeu com a sua invasão da Indochina foi como ir para guerra sem engajar as tropas americanas e arriscar as vidas americanas. Assim, agora, temos guerras feitas por mísseis cruise de longo alcance, Black Hawks, "bunker busters" ("detonadores de casamatas"). Guerras nas quais os "aliados" perdem mais jornalistas do que soldados.

Para uma criança que cresceu no estado de Kerala, no Sul da Índia – onde o primeiro governo comunista do mundo eleito democraticamente chegou ao poder em 1959, ano em que nasci — eu ficava muito preocupada com o fato de ser gook. Kerala distava apenas poucos milhares de milhas ao oeste do Vietnã. Tínhamos florestas e rios e campos de arroz, e tínhamos comunistas também. Eu imaginava repetidamente minha mãe, meu irmão, e eu mesma sendo bombardeados e explodindo nos matagais por uma granada, ou sermos cortados em pedaços, como os gooks nos filmes, por um marine americano com braços musculosos e mascando chiclé, e um ruído barulhento de fundo. Nos meus sonhos, eu era a menina queimada daquela famosa fotografia tirada na estrada de Trang Bang.

Para alguém que cresceu no meio do vértice da propaganda americana e da propaganda soviética (situação na qual, mais ou menos, uma neutralizava a outra), quando li Noam Chomsky pela primeira vez, ocorreu-me que a exposição, o volume e a persistência da evidência era um pouco — como poderia dizer? — absurda. Mesmo um quarto da evidência que ele tinha compilado teria sido suficiente para me convencer. Eu me perguntava porque ele precisava de tanto trabalho. Porém, agora, entendo que a magnitude e a intensidade da obra de Chomsky é um barômetro da magnitude, do escopo, da persistência da máquina de propaganda contra a qual ele se depara. Ele é como a broca de madeira que reside dentro da terceira prateleira de minha biblioteca. Noite e dia, ouço sua mandíbula triturando a madeira, moendo a mesma até transformá-la em fino pó. É como se ele discordasse com a literatura e quisesse destruir a própria estrutura sobre a qual ela se assenta. Eu o chamo de Chompsky.

Sendo americano e trabalhando na América, escrever para convencer os americanos sobre o seu ponto de vista deve ser, realmente, como tentar abrir uma senda no meio de floresta densa de madeiras rigidíssimas. Chomsky é um dos indivíduos de um grupo muito reduzido que está combatendo todo um setor. E isso faz dele não apenas um ser brilhante, como também heróico.

Há alguns anos, numa entrevista comovente a James Peck, Chomsky falou sobre sua lembrança do dia em que Hiroshima foi bombardeada. Ele tinha 16 anos:

Lembro-me de que eu literalmente não conseguia falar com ninguém. Não havia ninguém. Saía caminhando sozinho. Estava num acampamento de verão naquele momento, e caminhei até a floresta e fiquei sozinho por algumas horas, depois que ouvi a notícia. Nunca podia falar com ninguém sobre isso e nunca entendi a reação das pessoas. Senti-me completamente isolado.

O isolamento produziu um dos maiores e mais radicais pensadores públicos de nossos tempos. Quando ocorrer o pôr-do-sol para o império americano, porque é certo que ele ocorrerá, é preciso que ele ocorra, a obra de Noam Chomsky sobreviverá.

Ele apontará um dedo seguro e acusador em direção a um império impiedoso e maquiavélico, tão cruel, convencido e hipócrita como aqueles que substituíu. (A única diferença é que esse está armado com um tipo de tecnologia que pode provocar um tipo de devastação no mundo jamais conhecida pela história e que a raça humana nem sequer pode começar a imaginar.)

Como eu podia ter sido gook e, quem sabe, talvez uma gook em potencial, é raro que se passe um dia sem que eu me encontre pensando – por uma ou outra razão – "Chomsky Zindabad".

Arundhati Roy é a autora de O Deus das Pequenas Coisas.

 

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The loneliness of Noam Chomsky

by Arundhati Roy

September 01, 2003

"I will never apologise for the United States of America – I don't care what the facts are."

President George Bush Sr.

SITTING in my home in New Delhi, watching an American TV news channel promote itself ("We report. You decide."), I imagine Noam Chomsky's amused, chipped-tooth smile.

Everybody knows that authoritarian regimes, regardless of their ideology, use the mass media for propaganda. But what about democratically elected regimes in the "free world"?

Today, thanks to Noam Chomsky and his fellow media analysts, it is almost axiomatic for thousands, possibly millions, of us that public opinion in "free market" democracies is manufactured just like any other mass market product – soap, switches, or sliced bread. We know that while, legally and constitutionally, speech may be free, the space in which that freedom can be exercised has been snatched from us and auctioned to the highest bidders. Neoliberal capitalism isn't just about the accumulation of capital (for some). It's also about the accumulation of power (for some), the accumulation of freedom (for some). Conversely, for the rest of the world, the people who are excluded from neoliberalism's governing body, it's about the erosion of capital, the erosion of power, the erosion of freedom. In the "free" market, free speech has become a commodity like everything else – – justice, human rights, drinking water, clean air. It's available only to those who can afford it. And naturally, those who can afford it use free speech to manufacture the kind of product, confect the kind of public opinion, that best suits their purpose. (News they can use.) Exactly how they do this has been the subject of much of Noam Chomsky's political writing.

Prime Minister Silvio Berlusconi, for instance, has a controlling interest in major Italian newspapers, magazines, television channels, and publishing houses. "[T]he prime minister in effect controls about 90 per cent of Italian TV viewership," reports the Financial Times. What price free speech? Free speech for whom? Admittedly, Berlusconi is an extreme example. In other democracies – the United States in particular – media barons, powerful corporate lobbies, and government officials are imbricated in a more elaborate, but less obvious, manner. (George Bush Jr.'s connections to the oil lobby, to the arms industry, and to Enron, and Enron's infiltration of U.S. government institutions and the mass media – all this is public knowledge now.)

After the September 11, 2001, terrorist strikes in New York and Washington, the mainstream media's blatant performance as the U.S. government's mouthpiece, its display of vengeful patriotism, its willingness to publish Pentagon press handouts as news, and its explicit censorship of dissenting opinion became the butt of some pretty black humour in the rest of the world.

Then the New York Stock Exchange crashed, bankrupt airline companies appealed to the government for financial bailouts, and there was talk of circumventing patent laws in order to manufacture generic drugs to fight the anthrax scare (much more important, and urgent of course, than the production of generics to fight AIDS in Africa). Suddenly, it began to seem as though the twin myths of Free Speech and the Free Market might come crashing down alongside the Twin Towers of the World Trade Center.

But of course that never happened. The myths live on.

There is however, a brighter side to the amount of energy and money that the establishment pours into the business of "managing" public opinion. It suggests a very real fear of public opinion. It suggests a persistent and valid worry that if people were to discover (and fully comprehend) the real nature of the things that are done in their name, they might act upon that knowledge. Powerful people know that ordinary people are not always reflexively ruthless and selfish. (When ordinary people weigh costs and benefits, something like an uneasy conscience could easily tip the scales.) For this reason, they must be guarded against reality, reared in a controlled climate, in an altered reality, like broiler chickens or pigs in a pen.

Those of us who have managed to escape this fate and are scratching about in the backyard, no longer believe everything we read in the papers and watch on TV. We put our ears to the ground and look for other ways of making sense of the world. We search for the untold story, the mentioned-in-passing military coup, the unreported genocide, the civil war in an African country written up in a one-column-inch story next to a full-page advertisement for lace underwear.

We don't always remember, and many don't even know, that this way of thinking, this easy acuity, this instinctive mistrust of the mass media, would at best be a political hunch and at worst a loose accusation, if it were not for the relentless and unswerving media analysis of one of the world's greatest minds. And this is only one of the ways in which Noam Chomsky has radically altered our understanding of the society in which we live. Or should I say, our understanding of the elaborate rules of the lunatic asylum in which we are all voluntary inmates?

Speaking about the September 11 attacks in New York and Washington, President George W. Bush called the enemies of the United States "enemies of freedom". "Americans are asking why do they hate us?" he said. "They hate our freedoms, our freedom of religion, our freedom of speech, our freedom to vote and assemble and disagree with each other."

If people in the United States want a real answer to that question (as opposed to the ones in the Idiot's Guide to Anti-Americanism, that is: "Because they're jealous of us," "Because they hate freedom," "Because they're losers," "Because we're good and they're evil"), I'd say, read Chomsky. Read Chomsky on U.S. military interventions in Indochina, Latin America, Iraq, Bosnia, the former Yugoslavia, Afghanistan, and the Middle East. If ordinary people in the United States read Chomsky, perhaps their questions would be framed a little differently. Perhaps it would be: "Why don't they hate us more than they do?" or "Isn't it surprising that September 11 didn't happen earlier?"

Unfortunately, in these nationalistic times, words like "us" and "them" are used loosely. The line between citizens and the state is being deliberately and successfully blurred, not just by governments, but also by terrorists. The underlying logic of terrorist attacks, as well as "retaliatory" wars against governments that "support terrorism", is the same: both punish citizens for the actions of their governments.

(A brief digression: I realize that for Noam Chomsky, a U.S. citizen, to criticize his own government is better manners than for someone like myself, an Indian citizen, to criticize the U.S. government. I'm no patriot, and am fully aware that venality, brutality, and hypocrisy are imprinted on the leaden soul of every state. But when a country ceases to be merely a country and becomes an empire, then the scale of operations changes dramatically. So may I clarify that I speak as a subject of the U.S. empire? I speak as a slave who presumes to criticize her king.)

If I were asked to choose one of Noam Chomsky's major contributions to the world, it would be the fact that he has unmasked the ugly, manipulative, ruthless universe that exists behind that beautiful, sunny word "freedom". He has done this rationally and empirically. The mass of evidence he has marshaled to construct his case is formidable. Terrifying, actually. The starting premise of Chomsky's method is not ideological, but it is intensely political. He embarks on his course of inquiry with an anarchist's instinctive mistrust of power. He takes us on a tour through the bog of the U.S. establishment, and leads us through the dizzying maze of corridors that connects the government, big business, and the business of managing public opinion.

Chomsky shows us how phrases like "free speech", the "free market", and the "free world" have little, if anything, to do with freedom. He shows us that, among the myriad freedoms claimed by the U.S. government are the freedom to murder, annihilate, and dominate other people. The freedom to finance and sponsor despots and dictators across the world. The freedom to train, arm, and shelter terrorists. The freedom to topple democratically elected governments. The freedom to amass and use weapons of mass destruction – chemical, biological, and nuclear. The freedom to go to war against any country whose government it disagrees with. And, most terrible of all, the freedom to commit these crimes against humanity in the name of "justice", in the name of "righteousness", in the name of "freedom".

Attorney General John Ashcroft has declared that U.S. freedoms are "not the grant of any government or document, but... our endowment from God". So, basically, we're confronted with a country armed with a mandate from heaven. Perhaps this explains why the U.S. government refuses to judge itself by the same moral standards by which it judges others. (Any attempt to do this is shouted down as "moral equivalence".) Its technique is to position itself as the well-intentioned giant whose good deeds are confounded in strange countries by their scheming natives, whose markets it's trying to free, whose societies it's trying to modernise, whose women it's trying to liberate, whose souls it's trying to save.

Perhaps this belief in its own divinity also explains why the U.S. government has conferred upon itself the right and freedom to murder and exterminate people "for their own good".

When he announced the U.S. air strikes against Afghanistan, President Bush Jr. said, "We're a peaceful nation." He went on to say, "This is the calling of the United States of America, the most free nation in the world, a nation built on fundamental values, that rejects hate, rejects violence, rejects murderers, rejects evil. And we will not tire."

The U.S. empire rests on a grisly foundation: the massacre of millions of indigenous people, the stealing of their lands, and following this, the kidnapping and enslavement of millions of black people from Africa to work that land. Thousands died on the seas while they were being shipped like caged cattle between continents. "Stolen from Africa, brought to America" – Bob Marley's "Buffalo Soldier" contains a whole universe of unspeakable sadness. It tells of the loss of dignity, the loss of wilderness, the loss of freedom, the shattered pride of a people. Genocide and slavery provide the social and economic underpinning of the nation whose fundamental values reject hate, murderers, and evil.

Here is Chomsky, writing in the essay "The Manufacture of Consent," on the founding of the United States of America:

During the Thanksgiving holiday a few weeks ago, I took a walk with some friends and family in a national park. We came across a gravestone, which had on it the following inscription: "Here lies an Indian woman, a Wampanoag, whose family and tribe gave of themselves and their land that this great nation might be born and grow."

Of course, it is not quite accurate to say that the indigenous population gave of themselves and their land for that noble purpose. Rather, they were slaughtered, decimated, and dispersed in the course of one of the greatest exercises in genocide in human history... which we celebrate each October when we honour Columbus – a notable mass murderer himself – on Columbus Day.

Hundreds of American citizens, well-meaning and decent people, troop by that gravestone regularly and read it, apparently without reaction; except, perhaps, a feeling of satisfaction that at last we are giving some due recognition to the sacrifices of the native peoples.... They might react differently if they were to visit Auschwitz or Dachau and find a gravestone reading: "Here lies a woman, a Jew, whose family and people gave of themselves and their possessions that this great nation might grow and prosper."

How has the United States survived its terrible past and emerged smelling so sweet? Not by owning up to it, not by making reparations, not by apologising to black Americans or native Americans, and certainly not by changing its ways (it exports its cruelties now). Like most other countries, the United States has rewritten its history. But what sets the United States apart from other countries, and puts it way ahead in the race, is that it has enlisted the services of the most powerful, most successful publicity firm in the world: Hollywood.

In the best-selling version of popular myth as history, U.S. "goodness" peaked during World War II (aka America's War Against Fascism). Lost in the din of trumpet sound and angel song is the fact that when fascism was in full stride in Europe, the U.S. government actually looked away. When Hitler was carrying out his genocidal pogrom against Jews, U.S. officials refused entry to Jewish refugees fleeing Germany. The United States entered the war only after the Japanese bombed Pearl Harbor. Drowned out by the noisy hosannas is its most barbaric act, in fact the single most savage act the world has ever witnessed: the dropping of the atomic bomb on civilian populations in Hiroshima and Nagasaki. The war was nearly over. The hundreds of thousands of Japanese people who were killed, the countless others who were crippled by cancers for generations to come, were not a threat to world peace. They were civilians. Just as the victims of the World Trade Center and Pentagon bombings were civilians. Just as the hundreds of thousands of people who died in Iraq because of the U.S.-led sanctions were civilians. The bombing of Hiroshima and Nagasaki was a cold, calculated experiment carried out to demonstrate America's power. At the time, President Truman described it as "the greatest thing in history".

The Second World War, we're told, was a "war for peace". The atomic bomb was a "weapon of peace". We're invited to believe that nuclear deterrence prevented World War III. (That was before President George Bush Jr. came up with the "pre-emptive strike doctrine". Was there an outbreak of peace after the Second World War? Certainly there was (relative) peace in Europe and America – but does that count as world peace? Not unless savage, proxy wars fought in lands where the coloured races live (chinks, niggers, dinks, wogs, gooks) don't count as wars at all.

Since the Second World War, the United States has been at war with or has attacked, among other countries, Korea, Guatemala, Cuba, Laos, Vietnam, Cambodia, Grenada, Libya, El Salvador, Nicaragua, Panama, Iraq, Somalia, Sudan, Yugoslavia, and Afghanistan. This list should also include the U.S. government's covert operations in Africa, Asia, and Latin America, the coups it has engineered, and the dictators it has armed and supported. It should include Israel's U.S.-backed war on Lebanon, in which thousands were killed. It should include the key role America has played in the conflict in the Middle East, in which thousands have died fighting Israel's illegal occupation of Palestinian territory. It should include America's role in the civil war in Afghanistan in the 1980s, in which more than one million people were killed. It should include the embargos and sanctions that have led directly, and indirectly, to the death of hundreds of thousands of people, most visibly in Iraq.

Put it all together, and it sounds very much as though there has been a World War III, and that the U.S. government was (or is) one of its chief protagonists.

Most of the essays in Chomsky's For Reasons of State are about U.S. aggression in South Vietnam, North Vietnam, Laos, and Cambodia. It was a war that lasted more than 12 years. Fifty-eight thousand Americans and approximately two million Vietnamese, Cambodians, and Laotians lost their lives. The U.S. deployed half a million ground troops, dropped more than six million tons of bombs. And yet, though you wouldn't believe it if you watched most Hollywood movies, America lost the war.

The war began in South Vietnam and then spread to North Vietnam, Laos, and Cambodia. After putting in place a client regime in Saigon, the U.S. government invited itself in to fight a communist insurgency – Vietcong guerillas who had infiltrated rural regions of South Vietnam where villagers were sheltering them. This was exactly the model that Russia replicated when, in 1979, it invited itself into Afghanistan. Nobody in the "free world" is in any doubt about the fact that Russia invaded Afghanistan. After glasnost, even a Soviet foreign minister called the Soviet invasion of Afghanistan "illegal and immoral". But there has been no such introspection in the United States. In 1984, in a stunning revelation, Chomsky wrote:

For the past 22 years, I have been searching to find some reference in mainstream journalism or scholarship to an American invasion of South Vietnam in 1962 (or ever), or an American attack against South Vietnam, or American aggression in Indochina – without success. There is no such event in history. Rather, there is an American defence of South Vietnam against terrorists supported from the outside (namely from Vietnam).

There is no such event in history!

In 1962, the U.S. Air Force began to bomb rural South Vietnam, where 80 per cent of the population lived. The bombing lasted for more than a decade. Thousands of people were killed. The idea was to bomb on a scale colossal enough to induce panic migration from villages into cities, where people could be held in refugee camps. Samuel Huntington referred to this as a process of "urbanisation". (I learned about urbanisation when I was in architecture school in India. Somehow I don't remember aerial bombing being part of the syllabus.) Huntington – famous today for his essay "The Clash of Civilizations?"– was at the time Chairman of the Council on Vietnamese Studies of the Southeast Asia Development Advisory Group. Chomsky quotes him describing the Vietcong as "a powerful force which cannot be dislodged from its constituency so long as the constituency continues to exist". Huntington went on to advise "direct application of mechanical and conventional power"– in other words, to crush a people's war, eliminate the people. (Or, perhaps, to update the thesis – in order to prevent a clash of civilizations, annihilate a civilisation.)

Here's one observer from the time on the limitations of America's mechanical power: "The problem is that American machines are not equal to the task of killing communist soldiers except as part of a scorched-earth policy that destroys everything else as well." That problem has been solved now. Not with less destructive bombs, but with more imaginative language. There's a more elegant way of saying "that destroys everything else as well". The phrase is "collateral damage".

And here's a firsthand account of what America's "machines" (Huntington called them "modernising instruments" and staff officers in the Pentagon called them "bomb-o-grams") can do. This is T.D. Allman flying over the Plain of Jars in Laos.

Even if the war in Laos ended tomorrow, the restoration of its ecological balance might take several years. The reconstruction of the Plain's totally destroyed towns and villages might take just as long. Even if this was done, the Plain might long prove perilous to human habitation because of the hundreds of thousands of unexploded bombs, mines and booby traps.

A recent flight around the Plain of Jars revealed what less than three years of intensive American bombing can do to a rural area, even after its civilian population has been evacuated. In large areas, the primary tropical colour – bright green – has been replaced by an abstract pattern of black, and bright metallic colours. Much of the remaining foliage is stunted, dulled by defoliants.

Today, black is the dominant colour of the northern and eastern reaches of the Plain. Napalm is dropped regularly to burn off the grass and undergrowth that covers the Plains and fills its many narrow ravines. The fires seem to burn constantly, creating rectangles of black. During the flight, plumes of smoke could be seen rising from freshly bombed areas.

The main routes, coming into the Plain from communist-held territory, are bombed mercilessly, apparently on a non-stop basis. There, and along the rim of the Plain, the dominant colour is yellow. All vegetation has been destroyed. The craters are countless.... [T]he area has been bombed so repeatedly that the land resembles the pocked, churned desert in storm-hit areas of the North African desert.

Further to the southeast, Xieng Khouangville – once the most populous town in communist Laos – lies empty, destroyed. To the north of the Plain, the little resort of Khang Khay also has been destroyed.

Around the landing field at the base of King Kong, the main colours are yellow (from upturned soil) and black (from napalm), relieved by patches of bright red and blue: parachutes used to drop supplies.

[T]he last local inhabitants were being carted into air transports. Abandoned vegetable gardens that would never be harvested grew near abandoned houses with plates still on the tables and calendars on the walls.

(Never counted in the "costs" of war are the dead birds, the charred animals, the murdered fish, incinerated insects, poisoned water sources, destroyed vegetation. Rarely mentioned is the arrogance of the human race towards other living things with which it shares this planet. All these are forgotten in the fight for markets and ideologies. This arrogance will probably be the ultimate undoing of the human species.)

The centerpiece of For Reasons of State is an essay called "The Mentality of the Backroom Boys", in which Chomsky offers an extraordinarily supple, exhaustive analysis of the Pentagon Papers, which he says "provide documentary evidence of a conspiracy to use force in international affairs in violation of law". Here, too, Chomsky makes note of the fact that while the bombing of North Vietnam is discussed at some length in the Pentagon Papers, the invasion of South Vietnam barely merits a mention.

The Pentagon Papers are mesmerizing, not as documentation of the history of the U.S. war in Indochina, but as insight into the minds of the men who planned and executed it. It's fascinating to be privy to the ideas that were being tossed around, the suggestions that were made, the proposals that were put forward. In a section called "The Asian Mind – the American Mind", Chomsky examines the discussion of the mentality of the enemy that "stoically accept[s] the destruction of wealth and the loss of lives", whereas "We want life, happiness, wealth, power", and, for us, "death and suffering are irrational choices when alternatives exist". So, we learn that the Asian poor, presumably because they cannot comprehend the meaning of happiness, wealth, and power, invite America to carry this "strategic logic to its conclusion, which is genocide". But, then "we" balk because "genocide is a terrible burden to bear". (Eventually, of course, "we" went ahead and committed genocide any way, and then pretended that it never really happened.)

Of course, the Pentagon Papers contain some moderate proposals, as well.

Strikes at population targets (per se) are likely not only to create a counterproductive wave of revulsion abroad and at home, but greatly to increase the risk of enlarging the war with China and the Soviet Union. Destruction of locks and dams, however – if handled right – might... offer promise. It should be studied. Such destruction does not kill or drown people. By shallow-flooding the rice, it leads after time to widespread starvation (more than a million?) unless food is provided – which we could offer to do "at the conference table".

Layer by layer, Chomsky strips down the process of decision-making by U.S. government officials, to reveal at its core the pitiless heart of the American war machine, completely insulated from the realities of war, blinded by ideology, and willing to annihilate millions of human beings, civilians, soldiers, women, children, villages, whole cities, whole ecosystems – with scientifically honed methods of brutality.

Here's an American pilot talking about the joys of napalm:

We sure are pleased with those backroom boys at Dow. The original product wasn't so hot – if the gooks were quick they could scrape it off. So the boys started adding polystyrene – now it sticks like shit to a blanket. But then if the gooks jumped under water it stopped burning, so they started adding Willie Peter [white phosphorous] so's to make it burn better. It'll even burn under water now. And just one drop is enough, it'll keep on burning right down to the bone so they die anyway from phosphorous poisoning.

So the lucky gooks were annihilated for their own good. Better Dead than Red.

Thanks to the seductive charms of Hollywood and the irresistible appeal of America's mass media, all these years later, the world views the war as an American story. Indochina provided the lush, tropical backdrop against which the United States played out its fantasies of violence, tested its latest technology, furthered its ideology, examined its conscience, agonised over its moral dilemmas, and dealt with its guilt (or pretended to). The Vietnamese, the Cambodians, and Laotians were only script props. Nameless, faceless, slit-eyed humanoids. They were just the people who died. Gooks.

The only real lesson the U.S. government learned from its invasion of Indochina is how to go to war without committing American troops and risking American lives. So now we have wars waged with long-range cruise missiles, Black Hawks, "bunker busters". Wars in which the "Allies" lose more journalists than soldiers.

As a child growing up in the state of Kerala, in South India – where the first democratically elected Communist government in the world came to power in 1959, the year I was born – I worried terribly about being a gook. Kerala was only a few thousand miles west of Vietnam. We had jungles and rivers and rice-fields, and communists, too. I kept imagining my mother, my brother, and myself being blown out of the bushes by a grenade, or mowed down, like the gooks in the movies, by an American marine with muscled arms and chewing gum and a loud background score. In my dreams, I was the burning girl in the famous photograph taken on the road from Trang Bang.

As someone who grew up on the cusp of both American and Soviet propaganda (which more or less neutralised each other), when I first read Noam Chomsky, it occurred to me that his marshalling of evidence, the volume of it, the relentlessness of it, was a little – how shall I put it? – insane. Even a quarter of the evidence he had compiled would have been enough to convince me. I used to wonder why he needed to do so much work. But now I understand that the magnitude and intensity of Chomsky's work is a barometer of the magnitude, scope, and relentlessness of the propaganda machine that he's up against. He's like the wood-borer who lives inside the third rack of my bookshelf. Day and night, I hear his jaws crunching through the wood, grinding it to a fine dust. It's as though he disagrees with the literature and wants to destroy the very structure on which it rests. I call him Chompsky.

Being an American working in America, writing to convince Americans of his point of view must really be like having to tunnel through hard wood. Chomsky is one of a small band of individuals fighting a whole industry. And that makes him not only brilliant, but heroic.

Some years ago, in a poignant interview with James Peck, Chomsky spoke about his memory of the day Hiroshima was bombed. He was 16 years old:

I remember that I literally couldn't talk to anybody. There was nobody. I just walked off by myself. I was at a summer camp at the time, and I walked off into the woods and stayed alone for a couple of hours when I heard about it. I could never talk to anyone about it and never understood anyone's reaction. I felt completely isolated.

That isolation produced one of the greatest, most radical public thinkers of our time. When the sun sets on the American empire, as it will, as it must, Noam Chomsky's work will survive.

It will point a cool, incriminating finger at a merciless, Machiavellian empire as cruel, self-righteous, and hypocritical as the ones it has replaced. (The only difference is that it is armed with technology that can visit the kind of devastation on the world that history has never known and the human race cannot begin to imagine.)

As a could've been gook, and who knows, perhaps a potential gook, hardly a day goes by when I don't find myself thinking – for one reason or another – "Chomsky Zindabad".

Arundhati Roy is the author of The God of Small Things.

 

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