Você é um ser humano ou um rato?

Experimentos quiméricos estão produzindo híbridos de animais e humanos. Dessa vez, a ciência foi realmente longe demais.

por Jeremy Rifkin

Publicado no dia 15 de março de 2005 pelo Guardian (UK)

Tradução Imediata

O que acontece quando se cruza um humano e um rato? Parece o começo de uma piada de mau gosto mas, de fato, trata-se de um experimento sério recentemente empreendido por uma equipe encabeçada por um reconhecido biólogo molecular, Irving Weissman, na Stanford University.

Cientistas injetaram células de cérebro humano em fetos de ratos, criando uma espécie de ratos que são aproximadamente 1% humanos. Weissman está considerando dar continuidade ao projeto, o que produziria ratos cujos cérebros seriam 100% humanos.

O que aconteceria se os ratos fugissem do laboratório e começassem a proliferar? Quais seriam as conseqüências ecológicas de existirem ratos que pensam como seres humanos, correndo soltos pela natureza? Weissman diz que manteria os ratos sob rédea curta, e que se mostrassem qualquer sinal de ‘humanidade’, ele os mataria. Muito encorajador…

Experimentos como esse que produziu um rato parcialmente humanizado esticam os limites do se forçar a barra da natureza atabalhoadamente pelos humanos, a um patamar patológico.

O novo campo de pesquisa, na vanguarda da revolução biotecnológica, é chamado de experimentação quimérica. Pesquisadores em todo o mundo estão combinando células humanas e animais e dando origem a criaturas quiméricas que são parte humanas, parte animais.

O primeiro experimento quimérico ocorreu há muitos anos, quando cientistas em Edimburgo fundiram um embrião de carneiro com um de cabra — duas espécies animais não relacionadas que são incapazes de serem cruzadas naturalmente e de produzir uma cria híbrida. A criatura resultate, chamada de geep (N. do T.: contração do inglês "goat" — cabra e "sheep" — carneiro), nasceu com a cabeça de uma cabra e o corpo de um carneiro.

Agora, cientistas estão treinando seus olhares para quebrar o último tabu do mundo natural — cruzar humanos e animais para criar novos híbridos humano-animais. Além de rato humanizado, cientistas já criaram porcos com sangue humano e carneiros com fígados e corações que são, em grande parte, humanos.

Os experimentos são concebidos para avançar a pesquisa médica. Com efeito, um número crescente de engenheiros genéticos argumentam que os híbridos humano-animais conduzirão à idade de ouro da medicina. Pesquisadores afirmam que quanto mais humanizados puderem tornar esses animais de pesquisa, tanto mais serão capazes de modelar a progressão de doenças humanas, testar novos medicamentos, e colher tecidos e órgãos para transplante. O que esquecem de mencionar é que existem alternativas igualmente promissoras e menos invasoras a esses experimentos bizarros, incluindo os modelos de computador, a cultura de tecidos in vitro, a nanotecnologia e as próteses para substituir o tecido e os órgãos humanos.

Alguns pesquisadores estão especulando sobre quimeras de humanos e chimpanzés — para criar o humanzé. Esse seria o animal ideal para pesquisas de laboratório, já que os chimpanzés estão tão próximos de nós, humanos. Os chimpanzés compartilham 98% dos genomas humanos, e um chimpanzé maduro apresenta as habilidades mentais equivalentes às de um ser humano de quatro anos de idade.

A fusão de um embrião humano e de chimpanzé — segundo os pesquisadores, algo perfeitamente factível — poderia produzir uma criatura tão humana que as questões relativas à sua condição moral e legal jogariam 4.000 anos de ética no caos. Tal criatura mereceria ter seus direitos humanos reconhecidos? Será que teria que passar algum teste de ‘humanidade’ para conquistar sua liberdade? Seria forçada a executar trabalhos servis ou usada para desempenhar atividades perigosas?

As possibilidades são estarrecedoras. Por exemplo, e se as células-tronco humanas — as células primordiais que se transformam nos cerca de 200 tipos de células do corpo — fossem injetadas no embrião de um animal e se espalhassem, através do corpo do animal, para cada um de seus órgãos? Algumas células humanas poderiam migrar aos testículos e ovários, onde poderiam gerar espermas e óvulos humanos. Se dois dos ratos quiméricos cruzassem, poderiam, potencialmente, conceber um embrião humano. Se o embrião humano fosse removido e implantado no útero de uma mulher, os pais biológicos do bebê humano teriam sido ratos.

Por favor, queiram compreender que nada disso é ficção científica. Espera-se para o próximo mês a divulgação oficial de uma diretriz sobre pesquisa quimérica pela National Academy of Sciences, o corpo científico mais respeitado dos EUA, antecipando um alvoroço de novos experimentos no florescente campo da experimentação quimérica humano-animal.

Os biotécnicos já estão desobstruindo o caminho moral para os experimentos quiméricos humano-animais, argumentando que uma vez que uma sociedade supera o fator repulsa, a perspectiva de novas criaturas parcialmente humanas tem muito a oferecer à raça humana. E, naturalmente, isso é exatamente o tipo de raciocínio que foi apresentado para se justificar o que está se tornando uma jornada no admirável mundo novo, no qual toda a natureza pode ser impiedosamente manipulada. Mas agora, com os experimentos humano-animais, colocamos em risco até a destruição da integridade de nossa própria espécie biológica, em nome do progresso humano.

Com a tecnologia quimérica, os cientistas têm o poder de rescrever a saga evolucionária — para salpicar partes de nossa espécie no resto do reino animal, assim como fundir partes de outras espécies com o nosso próprio genoma e até mesmo criar novas sub-espécies e super-espécies humanas. Será que estamos na cúspide de um renascimento biológico ou plantando as sementes de nossa destruição?

Jeremy Rifkin é o autor de The Biotech Century (O Século Biotecnológico)

© 2005 Guardian Newspapers, Ltd.

 

Published on Tuesday, March 15, 2005 by the Guardian (UK)

Are You a Man or a Mouse?

Chimeric Experimentation is producing animal-human hybrids. This time, science really has gone too far

by Jeremy Rifkin

 

What happens when you cross a human and a mouse? Sounds like the beginning of a bad joke but, in fact, it's a serious experiment recently carried out by a team headed by a distinguished molecular biologist, Irving Weissman, at Stanford University.

Scientists injected human brain cells into mouse fetuses, creating a strain of mice that were approximately 1% human. Weissman is considering a follow-up that would produce mice whose brains are 100% human.

What if the mice escaped the lab and began to proliferate? What might be the ecological consequences of mice who think like human beings, let loose in nature? Weissman says that he would keep a tight rein on the mice, and if they showed any signs of humanness he would kill them. Hardly reassuring.

Experiments like the one that produced a partially humanized mouse stretch the limits of human tinkering with nature to the realm of the pathological.

The new research field at the cutting edge of the biotech revolution is called chimeric experimentation. Researchers around the world are combining human and animal cells and creating chimeric creatures that are part-human, part-animal.

The first chimeric experiment occurred many years ago when scientists in Edinburgh fused a sheep and goat embryo - two unrelated animal species that are incapable of mating and producing a hybrid offspring. The resulting creature, called a geep, was born with the head of a goat and the body of a sheep.

Now, scientists have their sights trained on breaking the final taboo in the natural world - crossing humans and animals to create new human-animal hybrids. Already, aside from the humanized mouse, scientists have created pigs with human blood and sheep with livers and hearts that are mostly human.

The experiments are designed to advance medical research. Indeed, a growing number of genetic engineers argue that human-animal hybrids will usher in a golden era of medicine. Researchers say that the more humanized they can make research animals, the better able they will be to model the progression of human diseases, test new drugs, and harvest tissues and organs for transplantation. What they fail to mention is that there are equally promising and less invasive alternatives to these bizarre experiments, including computer modeling, in vitro tissue culture, nanotechnology, and prostheses to substitute for human tissue and organs.

Some researchers are speculating about human-chimpanzee chimeras - creating a humanzee. This would be the ideal laboratory research animal because chimpanzees are so closely related to us. Chimps share 98% of the human genome, and a fully mature chimp has the equivalent mental abilities and consciousness of a four-year-old human.

Fusing a human and chimpanzee embryo - which researchers say is feasible - could produce a creature so human that questions regarding its moral and legal status would throw 4,000 years of ethics into chaos. Would such a creature enjoy human rights? Would it have to pass some kind of "humanness" test to win its freedom? Would it be forced into doing menial labor or be used to perform dangerous activities?

The possibilities are mind-boggling. For example, what if human stem cells - the primordial cells that turn into the body's 200 or so cell types - were to be injected into an animal embryo and spread throughout the animal's body into every organ? Some human cells could migrate to the testes and ovaries where they could grow into human sperm and eggs. If two of the chimeric mice were to mate, they could potentially conceive a human embryo. If the human embryo were to be removed and implanted in a human womb, the resulting human baby's biological parents would have been mice.

Please understand that none of this is science fiction. The National Academy of Sciences, America's most august scientific body, is expected to issue guidelines for chimeric research some time next month, anticipating a flurry of new experiments in the burgeoning field of human-animal chimeric experimentation.

Bioethicists are already clearing the moral path for human-animal chimeric experiments, arguing that once society gets past the revulsion factor, the prospect of new, partially human creatures has much to offer the human race. And, of course, this is exactly the kind of reasoning that has been put forth to justify what is fast becoming a journey into a brave new world in which all of nature can be ruthlessly manipulated. But now, with human-animal chimeric experiments, we risk even undermining our own species' biological integrity in the name of human progress.

With chimeric technology, scientists have the power to rewrite the evolutionary saga - to sprinkle parts of our species into the rest of the animal kingdom as well as fuse parts of other species with our own genome and even to create new human sub-species and super-species. Are we on the cusp of a biological renaissance, or sowing the seeds of our destruction?

Jeremy Rifkin is the author of The Biotech Century

© 2005 Guardian Newspapers, Ltd.

 

biodiv<info@imediata.com>