Série de seis livros editados pela Conrad Livros
A "Coleção Baderna", série de seis livros lançada providencialmente pela Conrad, é para quem quer entender as influências teóricas das recentes manifestações antiglobalização, além de alimentar as inquietações quanto aos desdobramentos do movimento a partir do registro de algumas de suas experiências intelectuais mais significativas.
Pode-se começar pelo volume "Teoria e Prática da Revolução Situacionista", onde estão as raízes culturais e políticas que geraram o movimento de maio de 68. O Internacional Situacionismo (1957-1972) objetivava colocar a arte a serviço da revolução.
Definiu-se como uma vanguarda artística que queria superar a arte por meio do "afastamento" e da "deriva", do jogo e da revolução da vida cotidiana. Movimentos como o Surrealismo, por exemplo, já tinham sugerido tal atitude (vide as revistas Revolução Surrealista e Surrealismo à Serviço da Revolução), mas Guy Debord e Raoul Vaneigem, expoentes do situacionismo iriam conduzir este imperativo ao limite. Mais do que articular uma linguagem literária ou artística, Debord criou um estilo de vida que influenciou as neovanguardas do vídeo e, sob vários aspectos, pode ser considerado um dos precursores intelectuais dos punks.
À diferença do maio francês, que queria levar a imaginação ao poder, os "Provos" - título de outro livro da série - "utilizaram a imaginação contra o poder". Assim Matteo Guarnaccia define os Provocadores (daí o nome Provos) holandeses que de forma lúdica, mágica e anárquica inspiraram muitos movimentos de contestação dos anos 60, como a onda hippie norte-americana, além de incluir Amsterdã no roteiro da contracultura internacional. Fica claro ao analisar o conjunto da Coleção Baderna que estas manifestações que eclodiram entre os anos 60 e 70, desprovidas de qualquer liderança, hierarquia ou organização central, tinham como alvo "devolver vida à anarquia e ensiná-la aos jovens", segundo um manifesto Provo de 1965. É esse duplo caráter pedagógico, aliado ao resgate da fina flor do anarquismo, que foi recuperado por autores como Hakim Bey (que comparece na coletânea através de "TAZ; zona autônoma temporária").
Hakim Bey é o codinome de Peter Lamborn Wilson, anarquista americano estudioso do sufismo (corrente mística do Islã). Bey é o teórico das Zonas Temporárias Autônomas, que seriam áreas ou dimensões sociais liberadas temporariamente do capitalismo globalitário. O conceito de TAZ, assim como as noções de "imediatismo", tiveram uma influência fundamental nas experiências telemáticas alternativas. No Cap.1, as "Utopias piratas", Bey parte das comunidades utópicas do Seiscentos, da ilha de Tortuga, para traçar uma primorosa teoria das comunidades insurrecionais.
Até aqui compreende-se perfeitamente o subtítulo da coleção: " a arte da subversão para as novas gerações". Até porque é preciso conhecer bem os códigos para subvertê-los. É por isso que os manifestantes, no título dedicado à "Urgência das Ruas; black blocks, reclaim the streets e os dias de ação global" insistem que o livro não é "sobre o movimento antiglobalização". O termo, segundo eles, foi criado na tela de TV e nas colunas dos jornais burgueses. "Talvez seja melhor falar em fenômeno das manifestações-bloqueio em encontros dos gestores do capitalismo internacional, ou mais genericamente os dias de Ação Global", corrigem.
Há também o volume dedicado ao "Distúrbio Eletrônico" do grupo Critical Art Ensemble, que atua na fronteira entre arte, ativismo cultural e tecnologia - destaque para o capítulo "Plágio utópico, hipertextualidade e Produção Cultural Eletrônica. A obra fornece argumentos sólidos para questionar as possibilidades de resistência cultural e política, no contexto de uma sociedade de controle onde as pessoas estão cada vez mais parecidas com as tomadas que ilustram a capa do livro.
E para terminar com chave de ouro, dedique um tempo para "Guerrilha psíquica", do Luther Blisset Project, os mesmos autores do romance "Q", lançado recentemente pela própria Conrad, além de um sem fim de artigos e polêmicas disponíveis on-line em várias línguas. Luther Blisset designa um processo de produção coletiva aglutinada em meados dos anos 90 na Itália. O nome Luther Blisset pode ser assumido por qualquer um que queira escrever à deriva, sem preocupações de identidade ou voltadas à propriedade intelectual, mas que esteja imbuído do ânimo expresso na "Arte da Comunicação-Guerrilha" (pág. 28): "A guerrilha midiática é uma prática, uma maneira diferente de se relacionar com os meios de comunicação de massa. Ou seja: o abandono da recriminação e a adoção de um retrovírus, uma prática lúdica que exorciza, enquanto tal, a desinformação praticada pelos mass media, redimensionando, aos nossos olhos, seu poder. A passagem preliminar é a de eliminar a paranóia e aceitar o desafio".