"(...)Que da ocidental praia lusitana
por mares nunca dantes navegados
Passaram muito além da Taprobana (...)"

Estes versos, que soam "déjà vu" ao público contemporâneo das hollywoodianas Jornadas nas Estrelas, originaram-se, na verdade, em Os Lusíadas.

Os Lusíadas (filhos de Lusus), descrevem, tanto em nível histórico como mitológico, a descoberta do caminho marítimo para as Índias por Vasco da Gama em 1498. Este poema épico, certamente inspirado por Virgílio e Homero, foi escrito por volta de 1572 por Luís Vaz de Camões, a maior figura da Literatura Portuguesa.

Camões (1524- 1580) nasceu de uma família de nobres decadentes no mesmo dia em que Vasco da Gama, com o qual tinha um parentesco distante , morreu. Ele recebeu uma educação clássica em Coimbra e conta-se que na juventude era um alegre e bem apessoado "Casanova". Entre as suas aventuras românticas encontram-se uma ardente paixão por Dona Catarina de Ataíde , dama da rainha a quem ele escreveu versos incendiados de amor, e um amor platônico pela princesa Dona Maria, filha de D. Manuel, o Venturoso. Foi possivelmente por causa de um flerte não correspondido com uma nobre que ele foi mandado como soldado para o Marrocos, onde perdeu um olho.

De volta a Lisboa, foi preso por ter ferido um cortesão em uma briga
de rua e solto um ano depois por ter consentido em servir na Índia. Por muitos anos, ele experienciou alternadamente relativo conforto material e pobreza. Da Índia foi transferido para Macau, onde passou a exercer uma função administrativa. Já por aquela época ele teria iniciado a criação de Os Lusíadas. Incriminações de maus serviços, porém, causaram a Camões a perda de seu cargo e, por conta disto, ele foi embarcado num navio para ser julgado em Goa.

Este navio, no entanto, naufragou. Com ele viajava Dinamene, sua querida amante chinesa. Lendas narram que ele deixou Dinamene afogar-se para poder salvar os manuscritos de Os Lusíadas. Em decorrência deste ato, conta-se que Camões passou o resto da vida escrevendo sonetos líricos para a defunta. Sonetos estes que os críticos, hoje em dia, consideram como os mais encantadores jamais escritos. Somente estas Líricas bastariam para perpetuar Camões como poeta maior. No exterior, além de Dinamene, Camões teve também uma relação amorosa com Bárbara, a africana, a quem ele descreve como "realmente escura", gentil e doce.

Depois de ser liberado da prisão em Goa, em 1567, ele começa o seu retorno a Portugal. Durante esta viagem de volta, acaba parando dois anos em Moçambique , onde foi vítima de doenças e sobreviveu por meio da caridade de amigos. Lá ele teve também o infortúnio de ter uma de suas obras misteriosamente desaparecida. Este fato foi provavelmente a perda mais cruel que sofreu como poeta soçobrante numa penosa existência .

Com a ajuda da generosidade de amigos, finalmente, depois de dezesseis anos, ele pôs novamente os pés em Lisboa em 1570. A capital portuguesa, assolada pela praga, não o esperava com boas-vindas de reconhecimento por seu magistral trabalho como poeta. Logo ele, que não havia lucrado nada com as riquezas com as quais as colônias enchiam os cofres da metrópole portuguesa.

Desde sua chegada a Lisboa, Camões passou a viver de uma mísera pensão real a ele outorgada pela publicação do seu poema épico, Os Lusíadas. Uma espécie de reconhecimento que um poeta maior como ele jamais poderia considerar como coroa de lauréis, mas sim uma espécie de abuso crítico, talvez por ele ter-se dado à ousadia de enriquecer a língua com inventivas inovações.

De acordo com o folclore, Camões passou o resto de suas noites entre pescadores e marinheiros nas tavernas das docas de Lisboa, no Bairro da Mouraria, onde ele vivia. Acabou por morrer sem vintém em 1580 e foi enterrado numa vala comum junto com outras vítimas da praga.

As dúvidas de Camões sobre o valor moral e a validade do colonialismo português em seus dias e sua previsão de maiores "malaises" no futuro fazem Os Lusíadas relevantes não só para a História Portuguesa, mas também para os sucessos e fracassos da civilização atual.

Provavelmente por ter trocado a frivolidade e a vaidade da Corte portuguesa pelas agruras do exílio é que Camões teve a oportunidade de enriquecer imensamente o seu talento poético. Os sofrimentos por que passou no exílio foram de tal ordem que fizeram com que ele desse à palavra SAUDADE uma importância única na literatura portuguesa. Seus melhores sonetos vibram numa indisfarçável nota de agonia e numa profunda sinceridade de sentimentos. E é isto que o coloca, com certeza, bem acima dos outros poetas de sua época.